Jornal Correio Braziliense

Brasil

Primeiro coro brasileiro a ir a festival europeu termina em primeiro lugar

Apresentação na Áustria foi no ínicio de julho e rendeu um convite para o Festival de coros juvenis da Bratislava, que ocorre em 2020

Tradicionalmente os corais são comuns na Europa, mas um grupo brasileiro conseguiu destaca exatamente lá na terra dos grandes grupos musicais. O Coro juvenil São Vicente a Cappella (SVAC), do Rio de Janeiro, participou do Suma Cum Laude ; International Youth Music Festival. Este é simplesmente o maior festival de coros do mundo e esta foi a primeira vez que um grupo latino-americano se apresentou por lá. A competição ocorreu em Viena, na Áustria, no inicio deste mês. E o mais surpreendente: o coro brasileiro ficou em primeiro lugar, empatado com um grupo sul-africano.
O bom desempenho é o resultado de 20 anos de trabalho. O coro é uma iniciativa da regente Patrícia Costa e atende aos alunos, ex-alunos do Colégio São Vicente de Paula, que fica no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, além de crianças da comunidade. ;O projeto de levar o SVAC para se apresentar e competir na Europa é uma parte de outras atividades que busco fazer em prol do desenvolvimento do coro juvenil. Nossa população não tem o hábito de escutar música coral, não a valoriza e, pior, ainda não consegue percebê-lo como excelente instrumento de educação para nossas crianças e jovens;, explica Patrícia.
Ao todo, o grupo de 27 pessoas fez sete apresentações pela Europa: uma em Salzburg, na Áustria, quatro em Viena, uma em Praga, na República Tcheca e a última em Munique, na Alemanha. O concurso foi na segunda apresentação em Viena. ;Logo na passagem de palco do primeiro concerto, em Salzburg, chegamos a chorar no aquecimento, por nos darmos conta de estarmos cantando em um lugar tão perfeito para o nosso som;, lembra Patrícia. ;Entramos com muita segurança, sobretudo, porque no aquecimento percebemos que nos superamos e que ;já éramos vencedores;, independente do resultado, por termos conseguido chegar até aqui;, completa.
O projeto foi ousado. O grupo apresentou Ave Verum Corpus, composta por ninguém menos que o austríaco Mozart. Eram 20 minutos de apresentação, e o grupo ainda foi de Nunc Dimittis, de Gustav Holst e algumas peças brasileiras, como Águas de Março, de Tom Jobim. ;Cantar Mozart na terra de Mozart foi fruto de muita preparação. E também não abrimos mão de fazer do nosso jeito, ou seja, com direção cênica, movimentação não tradicional em algumas peças, percussão corporal. Creio que isto também chamou atenção do júri;, conta Patrícia.

Veja alguns trechos da apresentação

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Para conseguir o feito, o grupo teve que se virar. Sem patrocínio tiveram que arrumar outras formas de bancar os gastos, que chegaram a quase R$ 500 mil. ;Fomos atrás de empresas e de editais de fomento às artes e à cultura. Não conseguimos nada. Nenhuma empresa nos abriu as portas, nem para expor o projeto. Nenhuma companhia aérea se interessou por nosso grupo. Nenhuma embaixada nos respondeu os e-mails que mandamos. Não conseguimos entrar em editais e tivemos o projeto de Lei Rouanet negado três vezes, o que nos diminuiu a possibilidade de captar;, explica. Foi aí que se juntaram e fizeram duas campanhas de financiamento coletivo, rifas, concertos, além de tirar do próprio bolso para viabilizar a realização do sonho.

Experiência única

Um dos participantes do coral, o estudante de publicidade João Pedro Romano, 22 anos, canta no naipe de barítonos desde 2013. Ele lembra que o interesse em participar da iniciativa partiu de ver uma apresentação de coral. ;Saí aos prantos do show e sabia que aquilo precisava fazer parte da minha vida;, recorda.

Para ele, participar do festival na Áustria foi além das expectativas. ;Foi a realização de um sonho que parecia impossível. Chegar lá, poder mostrar um pouco do nosso trabalho, se comunicar por meio da música, e principalmente, mostrar que o canto coral juvenil existe no Brasil, eram nossas metas, e tenho certeza que foram muito bem concluídas;, comemora.
O concurso não gera prêmio em dinheiro, mas o coro saiu de lá muito satisfeito. Além do reconhecimento, receberam um convite para participar do Festival de coros juvenis, que ocorre em Bratislava, na Eslováquia, em 2020. ;Fomos convidados pelo maestro Milan Kolena, que estava no júri e também ministrou um workshop. Comentando sobre a enorme dificuldade de captação para uma viagem deste porte, ele nos disse que estaria esperando também para 2021, caso precisasse esperar mais;, explica Patrícia Costa.

Projeto inspira outros coros

Entre a comitiva que foi para a Europa, também estavam regentes de outros coros brasileiros que vêem o Coro juvenil São Vicente a Cappella como uma grande inspiração. Entre eles, estava Gerson Daniel Giese, que é regente coral no interior do Paraná. Lá são cinco coros em quatro cidades, que atendem a mais de 250 crianças e adolescentes. ;A proposta do Movimento Coral Juvenil no oeste do Paraná é diferente. É instigar a música vocal coral em grupo para adolescentes. E está funcionando. Eles cantam desde MPB até canções estrangeiras e eruditas. Tudo sem custo para participar e sem teste vocal;, explica. O projeto ocorre nas cidades de Marechal Cândido Rondon, Nova Santa Rosa, Entre Rios do Oeste e Pato Bragado.
Gerson lembra que acompanha o trabalho de Patrícia, no Rio de Janeiro, há 15 anos. ;Ela foi fomentando a ideia de que o coro juvenil é possível no Brasil. A criança chegava na adolescência, tinha de parar de cantar e voltar a cantar quando adulto. E Patrícia Costa, nos workshops que fiz em diversas cidades do país, implementou bases que funcionaram e hoje temos estes polos pelo país;, explica. A ida dele à Europa, ele lembra que foi um chamado da própria Patrícia. ;Quando o coro foi selecionado, ela estendeu o convite para outros regentes de coros juvenis do Brasil, como meu caso, para irem juntos e, além de acompanhar o SVAC no concurso e concertos, também aprender in loco como são os coros juvenis fora do Brasil;, diz.

Para ele, a experiência serviu para dar mais entusiasmo no trabalho que é feito no Brasil. ;O que
para europeus e americanos é normal, para nós é um feito inédito. Sobretudo porque percebemos que o canto coral juvenil brasileiro não deixa a desejar em relação aos coros de fora. Como educador voltei mais feliz e motivado para fazer os trabalhos com os coros juvenis aqui no oeste do Paraná. Europa é tudo lindo, maravilhoso, mas, dada as dificuldades, ainda temos muito potencial por aqui com a resiliência do povo brasileiro em nunca desistir;, afirma.