As discussões sobre o tema são as primeiras que acontecem após a eleição de Jair Bolsonaro. Osmar Terra, representante do governo no debate, reforçou a política proibicionista à regulamentação do canabidiol (CBD) e o plantio da planta no Brasil. ;Se abrir as portas do plantio, vai ter consumo generalizado. Se não se controla com a proibição, imagina controlar no detalhe? É o começo da legalização da maconha no Brasil;, protestou. Além do ministro e de outras autoridades do governo, mães de pacientes e associações que defendem o uso da substância estavam presentes na audiência pública.
Terra chegou a comparar o número de mães que lutam para aliviar o sofrimento dos filhos que utilizam o canabidiol a mães que perderam seus filhos para as drogas. ;Eu sei que aqui tem mães carinhosas e preocupadas, que vão até o fim do mundo para salvar seus filhos e para aliviar o sofrimento deles. Elas têm que ter um apoio necessário, mas eu poderia fazer uma reunião aqui com as mães que perderam os filhos para a droga, que são muito mais numerosas;, disse o ministro.
Ainda para defender o próprio argumento, o ministro afirmou que não é preciso plantar maconha para ter os remédios. ;Tem laboratório produzindo sinteticamente o canabidiol, sem o THC. E o governo tem obrigação de fornecer isso para crianças e pacientes;, disse. No entanto, de acordo com Caroline Heinz, vice-presidente da HempMeds Brasil, primeira empresa autorizada a importar CBD para o país, o canabidiol sintético não chegou a ser testado em humanos ainda.
;É muito delicado ver pessoas em cargos de grande hierarquia no país falando coisas erradas. Esse canabidiol sintético nunca foi testado em seres humanos;, afirmou Caroline. A vice-presidente da empresa especializada na exportação da substância participou das duas discussões em Brasília e avaliou como positiva a primeira conversa sobre o tema. ;Acho que no âmbito geral é um primeiro passo, mas temos que continuar a debater o tema para que ele não fique engavetado;, disse.
Para Caroline, a luta da indústria é a mesma dos pacientes. ;Nós falamos como indústria, mas exportamos um medicamento que traz qualidade de vida, então, independentemente de ser indústria, nos importamos com os pacientes do Brasil;, frisou. Jenyffer Galvão, de 32 anos, é mãe de um paciente. Lucas Galvão, 3 anos, é autista e faz uso do canabidiol desde março. O filho de Jennyfer nasceu prematuro, mas se desenvolveu como uma criança normal. Engatinhou, andou e falou no tempo normal, mas, aos dois anos, parou de falar, fazer contato visual e comer alimentos sólidos.
O diagnóstico veio rápido, e o autismo de Lucas já estava avançado. O uso do canabidiol foi receitado por uma psiquiatra depois de diversos tratamentos serem testados pelo paciente. ;Com a terapia e a fonoaudióloga, vimos uma melhora, mas muito limitada. Com uma semana do uso do canabidiol, Lucas fez contato visual comigo e sorriu. Fizemos uma festa. Com um mês, ele voltou a comer. E, atualmente, após três meses, ele já consegue falar e cantar uma música inteira;, celebrou Jenyffer.
A mãe do pequeno Lucas enfrentou preconceito dentro da própria família ao falar da utilização do remédio. ;O grande problema é a preguiça de se informar. As pessoas preferem ficar no achismo do que se colocar à disposição para entender o que realmente está acontecendo;, avaliou.
Preconceito
Para a psiquiatra Murielle Urzeda Moura, que há um ano e meio prescreve o uso de canabidiol para alguns pacientes, mudar a visão das pessoas vai demandar tempo. Para ela, primeiro é preciso entender o perfil do paciente que busca esse medicamento. ;É preciso entender que o paciente que usa canabidiol não tem o perfil de alguém que faz uso recreativo da maconha. É um paciente que já passou por vários médicos, diversos medicamentos, que já sofreu outros efeitos colaterais e chega cansado ao consultório;, explicou.Atualmente, a médica atende 20 pacientes que usam a substância para tratar diversas doenças, como autismo, fibromialgia, parkinson e alzheimer. A maioria é formada por crianças de 3 a 5 anos com autismo. ;Não faz sentido encher crianças de remédios cheios de efeitos colaterais, sem dar uma chance para essa substância que tem tantos benefícios no tratamento;, defendeu.