Uma descoberta feita por pesquisadores brasileiros e italianos traz uma nova hipótese para a primeira migração de humanos da África para o restante do mundo. Em expedições pela Jordânia, no Oriente Médio, o grupo de cientistas encontrou artefatos de pedra lascada que indicam que ancestrais do Homo sapiens saíram do continente africano milhares de anos antes do que se acreditava e o primeiro movimento migratório foi de espécies mais primitivas do que se pensava.
Em quatro expedições ao vale do Rio Zarka, no norte da Jordânia, os pesquisadores das Universidades de São Paulo (USP), Estadual Paulista (Unesp) e Federal do Paraná (UFPR) encontraram ferramentas datadas de cerca de 2,4 milhões de anos atrás, as mais antigas a ser achadas fora da África. O tipo de artefato, de pedra lascada, é típico de indivíduos da espécie Homo habilis, a primeira do gênero humano.
Até agora, acreditava-se que os primeiros humanos a sair da África migraram há 1,9 milhão de anos e seriam da espécie Homo erectus, uma evolução do Homo habilis. "Com as nossas descobertas, demonstramos que o homem saiu da África cerca de 500 mil anos antes e a transição entre o Homo habilis e o Homo erectus aconteceu no Cáucaso e não na África", explica o biólogo, arqueólogo e antropólogo Walter Neves, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP e um dos cientistas que participaram do projeto.
Renomado pesquisador na área de evolução humana, Neves foi um dos responsáveis pelo estudo de Luzia, considerado o esqueleto humano mais antigo das Américas e danificado no incêndio do Museu Nacional.
De acordo com o cientista, as novas descobertas ajudarão a preencher algumas lacunas no campo da Paleontologia, a principal delas referente aos mais antigos fósseis humanos encontrados no Cáucaso, datados de 1,8 milhão de anos.
Hoje, acredita-se que esses fragmentos, achados em Dmanisi, na República da Geórgia, eram do Homo erectus, mas parte dos crânios encontrados apresentava características mais primitivas que o erectus. "Pode ser que a espécie encontrada no Cáucaso, portanto, seja Homo habilis ou uma intermediária entre o habilis e o erectus", explica Neves.
Métodos
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores fizeram quatro expedições à Jordânia, de 2013 a 2016, totalizando 80 dias de trabalho de campo. Nas escavações, encontraram centenas de artefatos de pedra lascada, que passaram por diversas análises para que fosse estimada a idade dos objetos.
"Geralmente, em outras pesquisas, usa-se apenas um método de datação. Nós usamos três métodos diferentes e todos apontaram para os mesmos resultados", explica Giancarlo Scardia, professor da Unesp e um dos autores do estudo, que será publicado nesta semana no periódico científico Quaternary Science Reviews.
Mesmo tendo adotado rigorosos métodos de pesquisa para confirmar a datação dos artefatos e para comprovar que as lascas foram produzidas por humanos e não pela natureza, os pesquisadores dizem já esperar contestações da comunidade científica internacional. "A gente vem de um país que não tem tradição em pesquisa paleoantropológica, então as nossas contribuições são sempre vistas com muito preconceito", afirma Neves.
Para dar sequência aos achados e avançar no estudo, parte dos cientistas do grupo pretende voltar à Jordânia no ano que vem para dar sequência às escavações. De acordo com os pesquisadores, a nova hipótese de evolução humana proposta pelos brasileiros ganharia ainda mais força caso fósseis do Homo habilis fossem encontrados na região da Jordânia, comprovando a saída precoce do gênero da África.
"Os fósseis existem, mas são raríssimos. Portanto custa caro achar fósseis. Mas raro não é impossível", diz Fábio Parenti, professor da UFPR. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.