Pela primeira vez na história, dizem ambientalistas, o Brasil tem um presidente da República e um ministro do Meio Ambiente com discurso antiambiental a promover, eles próprios, o desmonte do que deveriam proteger. Eles lamentam o quadro do setor, às vésperas do Dia do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho. Esse ano, porém, não há comemoração, mas lamento. Para eles, desde que tomou posse, o atual governo adotou uma avalanche de medidas perigosas e assumiu um discurso violento contra a preservação ambiental.
Entre as últimas ações que receberam críticas, está o comunicado do Ibama com aviso-prévio de operações de fiscalização contra desmatamento e garimpo na região sudoeste do Pará. É praxe que ações de fiscalização sejam feitas de forma intempestiva, para evitar que o infrator mascare o crime. Também na semana passada, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cumpriu a promessa de reduzir o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama),cujos membros foram de 100 para 23. O Conselho ficou centralizado na Presidência, com diminuição da representação social, dos estados e dos municípios..
O presidente Bolsonaro vem anunciando que pretende transformar uma sensível área de conservação em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, em uma espécie de Cancún brasileira. A intenção, segundo o presidente, seria incentivar um tipo de turismo considerado de alto impacto pelos especialistas em preservação. Para tanto, ele pretende revogar o decreto que criou a Estação Ecológica de Tamoios. Foi lá que, em janeiro de 2012, Bolsonaro foi multado por pesca ilegal e, em março deste ano, o Ibama exonerou, do cargo de confiança, o fiscal que aplicou a multa.
O número de ações consideradas nocivas à saúde humana e ambiental é tamanho (ver tabela) que o governo conseguiu algo inédito: todos os ex-ministros do Meio Ambiente, de diferentes espectros políticos, assinaram um comunicado denunciando o que chamam de desmonte da governança ambiental. Sete dos oito ex-ministros se reuniram e, em coletiva de imprensa, prometeram ações junto às instituições e mobilização social contra o que clasificaram de ofensivas contra o meio ambiente, identificaram em um Comunicado Conjunto, que provocou nota do ministro Salles, em resposta,na qual nega as consequências apontadas pelos atos da atual administração.
Desmatamento
Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazom), entre agosto de 2018 e março de 2019, a Amazônia Legal perdeu 1.974km; de floresta. Foi um aumento de 24% se comparado ao ano anterior. Em 2018, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, o país registrou os maiores números de desmatamento na Região Amazônica de toda a história. Na Mata Atlântica, o desmatamento também avançou em Minas Gerais, Piauí, Paraná, Bahia e Santa Catarina.
Ao Correio, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silvar afirmou que está é a primeira vez que se criou uma situação em que não há nenhum tipo de avanço, mas um desmantelo do sistema nacional do meio ambiente. ;O governo disse que ia acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Não acabou do ponto de vista institucional, mas de forma prática;, disse. ;O governo, que antes tinha 20%, agora terá 40%. Antes ninguém tinha maioria para impor a vontade. Era um processo com base em argumentos técnicos. Com essa redução, criou-se um desequilíbrio. O governo está liquidando o sistema de conservação e de recursos hídricos, que foi criado a duras penas em décadas, avançando mais ou menos em alguns governos; lamentou a ex-ministra.
Ela critica também a proposta de usar recursos do Fundo Amazônia para indenizar donos de propriedades privadas que vivam em áreas de unidades de conservação. O fundo de R$ 3,4 bilhões conta com doações da Noruega e da Alemanha para preservação e combate ao desmatamento. ;Querem usar o fundo para regularização de ocupação ilegal e de origem duvidosa, na contramão dos interesses dos doadores do fundo. ;
Leniência com o crime
;Eu nunca vi o presidente da República ou o ministro fazerem uma declaração contra um criminoso ambiental. As declarações deles são sempre contra quem combate o crime. Não contra o crime;, indigna-se o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Márcio Astrini. Para ele, quem está liderando a pasta é quem determina o ambiente dentro do órgão, que, afirma, é de perseguição.
Outra evidência de conivência com o crime ambiental que Astrini aponta é a criação, pelo ministro Salles, por meio de decreto, de uma Câmara de Conciliação de Multas Ambientais. ;É como se fosse a antessala de todo processo de multas e fiscalização. Antes da multa ser validada, vai para essa Câmara, sem prazo para julgamento. Corre-se o risco de ter todas as multas jogadas em um limbo eterno de análise e elas nunca serem efetivadas;, destaca.
Para o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, o Brasil deve se orgulhar da biodiversidade e recursos hídricos que abriga, mas, para ele, Bolsonaro tem visto o meio ambiente como algo a ser dominado, conquistado e tirado do meio do caminho como se fosse um empecilho para o desenvolvimento do país, e não como algo que poderia tornar o país uma potência, por meio do desenvolvimento sustentável.
;A agenda de retrocessos é galopante. Deveriam olhar os recursos naturais como ativos. Vemos a redução das fiscalizações. O ICMBio não teve nenhuma ação de fiscalização na Amazônia em abril. Isso mostra que existe redução da fiscalização e que aqueles que têm sido combatidos são os funcionários dos órgão e ONG;s que atuam há décadas na conservação da biodiversidade. Não se pode ter um pacote que visa combater a criminalidade do país e, por outro lado, ser tolerante com o crime ambiental;, diz.
Para ele, a imagem do país fica cada vez pior no mercado internacional e o país vai perder, além de florestas, mercado. Ele acredita que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, precisam se preocupar. ;Não adianta reformar a Previdência e investir em medidas de estímulo econômico e ter a maior agenda antiambiental;.
Mudanças Climáticas
O especialista em desenvolvimento sustentável e em agricultura e meio ambiente da Universidade de Brasília (UNB) Adolfo Dalla Pria também vê perigo no discurso do governo que, segundo ele, está alheio às consequências das mudanças climáticas. ;O principal desafio é o posicionamento do atual governo de não aceitar as questões climáticas como importantes. É uma decisão pouco estratégica. Somos um país onde a maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) depende da agricultura.
Ele lembra que a população está crescendo, portanto, há maior demanda por alimentos e proteína animal. Temos um mercado futuro que vai pressionar a questão agrícola. Mas, se as mudanças na dinâmica da chuva, afetam a produção agrícola, energética e o fornecimento de água para as cidades, logo, não se importar com as mudanças climáticas é um contrassenso;.
Para ele, o governo não demonstra preocupação e ação preventiva com as populações pobres, principais afetadas por eventos extremos provocados pelas alterações do clima. ;Quando há mudança na intensidade das chuvas. Em vez de estarem distribuídas de forma homogênea, há intensidade, que afeta mais as populações que moram em áreas marginalizadas, pelas inundações, por exemplo. Se chove menos, a população do campo, que depende exclusivamente do que produz, passa fome;, explica. O Correio entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para ouvir um porta-voz sobre críticas à atual política ambiental, mas, não obteve retorno.