;Hoje, eu faço faxina duas vezes por semana e ganho, no máximo, R$ 150 em cada uma delas. Não estou sem trabalhar, mas sinto como se estivesse desempregada;, admite Maria Ivone da Silva, 50 anos. O relato da moradora do Sol Nascente, em Ceilândia, é apenas um reflexo da dura realidade dos trabalhadores domésticos do país, que, no primeiro trimestre do ano, perderam 148 mil vagas. Desde a metade de 2017, a classe não sofria um desfalque tão expressivo: atualmente, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 6,108 milhões de brasileiros empregados em domicílios.
;Desde janeiro, estou sem carteira assinada. Antes, tinha um emprego que me pagava bem e que me dava todos os direitos de uma trabalhadora regular. Mas agora, a história é diferente. Quase não sobra dinheiro e tenho de me virar com o básico. A minha vida mudou por completo e, infelizmente, para pior;, lamenta Maria Ivone.
Em comparação ao último trimestre do ano passado, quando o IBGE registrava 6,256 milhões de trabalhadores domésticos com carteira assinada, houve queda de 2,3% na empregabilidade. O número também é 1,2% menor do que o contabilizado entre janeiro e março de 2018. Naquele intervalo, a Pnad Contínua constatou que havia 6,184 milhões de empregados domésticos em exercício. Na avaliação de especialistas, as quedas são explicadas principalmente pela forte desaceleração da economia, que fez aumentar as demissões. O desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros.
;O desemprego cresceu em todos os segmentos do mercado, afetando muitos empregadores dos trabalhadores domésticos. A consequência disso foi que a maioria abriu mão de pagar para que outras pessoas desempenhassem as tarefas domésticas, para fazer por conta própria os serviços de casa. Na hora de reduzir gastos, geralmente os trabalhadores domésticos são os primeiros a serem cortados pela família;, explica a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Maria Andreia Lameiras.
Expectativa
A lenta recuperação da economia brasileira após o período de recessão de 2014 a 2016 é outro vilão para os trabalhadores domésticos, tanto que a expectativa para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 está em declínio, com chances de que o Brasil tenha um crescimento econômico mais fraco do que o do ano passado. Na última semana, pela 10; vez consecutiva, economistas consultados pelo Banco Central (BC) reduziram as projeções para a atividade econômica, passando de 2,30% para 1,49% no período.
;A recessão foi muito profunda e ainda passamos por um momento político conturbado. Para 2019, é difícil prever alguma melhora no mercado de trabalho. A situação pode mudar se as reformas do governo forem aprovadas, mas elas caminham em um compasso lento;, analisa o pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), Daniel Duque. Ele teme pelo futuro dos trabalhadores domésticos, sobretudo dos que não têm carteira assinada. De acordo com o IBGE, eles representam 71% da classe.
;O trabalho informal para esse trabalhador menos escolarizado é sempre preocupante. O seu rendimento é muito baixo, o que o priva de fazer uma poupança para emergências ou de consumir algo de maior valor agregado. Sem contar que, se acontecer um imprevisto, ele não tem nenhuma proteção social;, diz.
É por conta desse cenário de incerteza que Shirley Alves, 35, busca uma saída. A moradora de São Paulo está à procura de emprego desde o início do ano, mas tem dificuldade em encontrar vagas. ;Eu quero um serviço que pague um valor razoável. Mas as pessoas aproveitam que o desemprego está alto e oferecem muito pouco;, lamenta. Ela também reclama que os empregadores optam por chamar os trabalhadores domésticos por, no máximo, dois dias por semana, para não estabelecer um vínculo empregatício. ;As pessoas preferem diaristas, pois fica mais barato para elas. Mas, para nós, é difícil. Nos submetemos a muitas situações arriscadas em troca de pouco dinheiro;, desabafa.
Futuro incerto
O coordenador da Pnad, Cimar Azeredo, também atribui a queda no número de empregadas domésticas à situação econômica do país. ;Com a crise, milhões de pessoas perderam a carteira e foram para a informalidade, tanto por falta de escolaridade quanto de oportunidades. Em um cenário desfavorável para todo mundo, quem contrata precisa pagar, e os empregados domésticos acabam, por vezes, sem carteira assinada e em situações instáveis.; O pesquisador explica ainda que a retomada da economia não garante a evolução do setor. ;Esse é um número que não tende a crescer, pois, muitas vezes, é um profissional hostilizado e não tem os mesmos direitos que outros trabalhadores;, explica.
Em junho, a Lei Complementar n; 150/2015, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico, completa quatro anos. Segundo o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, a legislação foi importante para que uma parte dos trabalhadores deixasse a informalidade, mas ele reconhece que muitos patrões ainda a veem como empecilho para contratação. Apesar disso, na opinião dele, a legislação não é o principal motivo para a queda de empregados ativos.
;O que mais pesou foi a crise econômica e nos preocupa o fato de que não há perspectiva de mudanças em um futuro próximo. Apesar de ser a sétima economia do mundo, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido. Enquanto não tivermos uma reação econômica, o cenário no mercado de trabalho não vai mudar;, frisa.
Para saber mais
O que diz a lei
Em 2013, os trabalhadores domésticos brasileiros conquistaram direitos trabalhistas, como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com recolhimento de 8% sobre o salário; jornada de trabalho fixada em oito horas diárias e 44 horas semanais; pagamento de horas extras (acima de 50% do valor do horário normal); recebimento de multa por demissão sem justa causa; e intervalo durante o expediente. Os benefícios foram conquistados por meio da Emenda Constitucional n; 72/2013 ; que ficou conhecida como PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Domésticas ; e regulamentados por meio da Lei Complementar n;150/2015. Outras garantias, como salário mínimo, férias e 13; salário, já eram obrigatórias e previstas no conjunto de leis trabalhistas, mesmo assim, foram incluídas nas novas normas.
* Estagiária sob supervisão de Rozane Oliveira