O Brasil é o segundo maior caloteiro das Organização das Nações Unidas (ONU). Um levantamento financeiro do organismo internacional aponta que os atrasos nos pagamentos totalizam US$ 302,8 milhões, o equivalente a mais de R$ 1,17 bi. Em primeiro lugar na lista de devedores, está a Casa Branca. No total, os norte-americanos devem US$ 381 milhões ao orçamento regular da ONU e mais de US$ 1,2 bilhão para as operações de paz.
As informações são do blog de Jamil Chade e fazem parte de um informe financeiro da entidade, de março de 2019, que traz um balanço dos repasses feitos pelo país até 2018. As contribuições regulares a organismos internacionais haviam sido interrompidas a partir de 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), e foram retomadas por Michel Temer (MDB), a partir de 2016. Em 2017, o Brasil acumulava dívida de US$ 41 milhões em relação aos pagamentos feitos para o orçamento regular. Em 2018, subiu para US$ 60,8 milhões e agora a dívida voltou a aumentar, mas este ano nenhum valor foi pago.
O mais atrasado, no entanto, é o pagamento feito para financiar operações de paz. Ao final de 2017, o Brasil tinha pendente uma contribuição de US$ 190 milhões. Ao final de 2018, esse valor havia atingido US$ 242 milhões.
O governo teria optado por realizar o pagamento a entidades menores ou para aquelas em que dívidas representam ameaça de perda de votos ou de direitos, como a OMC (Organização Mundial do Comércio) para que pudesse continuar utilizando os mecanismos de solução de disputas de comércio. Bolsonaro já demonstrou anteriormente falta de afinidade com as Nações Unidas ao afirmar, durante a campanha presidencial, que retiraria o Brasil da ONU, por ser uma "reunião de comunistas" que "não serve para nada".
Em uma live pelas redes sociais na semana passada, o presidente comentou que, em relação à participação do Brasil nas votações do Conselho de Direitos Humanos na ONU, o "voto de cabresto" chegou ao fim. ;Passamos a votar na mesma sintonia de Israel e Estados Unidos. Foi uma mudança radical de voto de cabresto que era sempre afinado com Venezuela, Guiana, Cuba e outros países que não têm qualquer amor à democracia e à liberdade;, disse.
O governo de Jair Bolsonaro rompeu uma tradição diplomática brasileira e votou contra os palestinos no Conselho de Direitos Humanos da ONU e em favor de Israel. Trata-se de uma ruptura histórica, já que o Brasil alternava entre apoio explícito aos palestinos ou decidia se abster nas votações.
O Correio entrou em contato com o governo e com a Secretaria-Executiva da Comissão Interministerial de Participação em Organismos Internacionais (Cipoi), vinculada ao Ministério da Economia, para obter informações sobre o débito, como se há previsão para quitar a dívida, mas ainda não obteve resposta.
Para a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP), Maristela Basso, as dívidas acumuladas podem acarretar em perda de prestígio do país. ;Em condição de sócio pagante, o Brasil mantém uma relação de igualdade com os outros. Não pode deixar acumular, deixar uma dívida impagável e perder a voz na Assembleia Geral e também perder lugar para se candidatar a posições de membro de comissões. Na medida em que está atrasado, perde prestígio e voz. É um retrocesso com prejuízos incalculáveis para o Brasil. Se o mundo vive em paz relativa, é graças às Nações Unidas. Se não mantém a paz, não há comércio, as fronteiras se fecham. Nosso exército é um dos mais importantes em missões de paz, vai tirar do exército uma possibilidade de ajudar outras nações? Isso é subestimar a capacidade dos nossos soldados, que além de lutar pela paz, levam saúde, educação a outros países", analisa.
Contribuição
As contribuições regulares na ONU são definidas periodicamente. O cálculo dos repasses é feito com base em uma escala de contribuições que se apoia no princípio de que países ricos pagam mais e países mais pobres, menos. Além de abrigar a sede das Nações Unidas em Nova York, os Estados Unidos pagam um quinto das contribuições regulares do orçamento da ONU. Após revisão em 2011, a contribuição brasileira passou de 1,4% do total do orçamento da ONU para 2,9%. Já o governo americano arca com quase 25% do orçamento.