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Planalto confirma envio de vídeo sobre o golpe, mas não revela autoria

Autorizado por liminar, governo federal divulga filme que reforça narrativa revisionista, segundo a qual regime militar livrou o país de ameaça comunista. Assessoria de imprensa da Presidência da República não quis se posicionar sobre o conteúdo


O Palácio do Planalto divulgou ontem um vídeo de aproximadamente dois minutos em defesa do golpe militar de 1964, que completou 55 anos. Na filmagem, enviada por listas de distribuição pelo WhatsApp, um homem reforça a narrativa do presidente Jair Bolsonaro, segundo a qual a ditadura foi necessária para livrar o país do comunismo, regime político nunca instituído no Brasil. A fala é direcionada ao público jovem.

;Nosso céu, de repente, não tinha mais estrelas que outros. Nem nossa vida, nossos campos e bosques, mais flores e amores. Se você é jovem, já deve ter ouvido isso dos seus pais. Mas, se você quer mais detalhes, quer depoimentos, que ter certeza de que isso é verdade, faça uma pesquisa, consulte os jornais, revistas, filmes da época. Era sim um tempo de medo e ameaças. Ameaças daquilo que os comunistas faziam e era imposto sem exceção. Prendiam e matavam seus próprios compatriotas;, diz o personagem do vídeo.

O filme afirma ainda que, após o golpe, ;o medo deu lugar à confiança no futuro; e termina com a bandeira do Brasil e um narrador afirmando que ;o exército não quer palmas nem homenagem;, quer ;apenas cumprir o seu papel;.

;O Planalto não vai comentar o teor deste vídeo. Procede que ele foi publicado pelo Planalto, mas não foi produzido pelo Planalto. Essa divulgação não foi uma ação da Secretaria Especial de Comunicação Social;, informou a Secom, por nota.

O regime de exceção sob a batuta do Exército governou o país por 21 anos. No período, segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, o Estado submeteu 1.843 pessoas à tortura, fez mais de 20 mil prisões e foi responsável por 434 mortes, incluindo membros do regime interessados em denunciar a corrupção ; nem todas as vítimas foram encontradas. Ao fim do governo militar, o país entrou em uma longa crise econômica atribuída, por especialistas e historiadores, ao crescimento artificial da economia promovido pelo regime.

Conforme o Correio publicou ontem, a tentativa de mudar a narrativa sobre o golpe militar é antiga. O general Emílio Garrastazu Médici ordenava, por exemplo, que administradores municipais inaugurassem obras públicas em 31 de março. A reportagem levantou, no Sistema de informações do Arquivo Nacional, cerca de 40 documentos fazendo referência às comemorações da data.


Imbróglio judicial


O Palácio está envolvido em polêmicas a respeito do golpe militar de 1964 desde 28 de março, quando o porta-voz oficial, Otávio Rêgo Barros, deu uma entrevista e repassou determinação do presidente Bolsonaro para que quartéis fizessem as ;comemorações devidas; da data. Após o anúncio, ocorreram, inclusive, tentativas de impedir que os militares celebrassem o 31 de março nos quartéis.

Na sexta-feira, a juíza Ivani Silva da Luz, da 6; vara da Justiça Federal em Brasília, emitiu uma liminar proibindo as comemorações, a pedido da Defensoria Pública da União. Na decisão, a magistrada argumentou que a legislação determina que datas comemorativas devem estar previstas em lei. Para a juíza, o ato também ;não é compatível com o processo de reconstrução democrática promovido pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e pela Constituição Federal de 1988;.

Menos de 24 horas depois, a desembargadora de plantão no Tribunal Regional Federal da 1; Região, Maria do Carmo Cardoso, suspendeu a decisão de Ivani Silva da Luz, ao acolher recurso da Advocacia-Geral da União. Na decisão, a magistrada diz reconhecer a ;sensibilidade do tema;, mas ;a recomendação deduzida pelo presidente da República insere-se no âmbito do poder discricionário do administrador;. Consta, ainda, da decisão, que Maria do Carmo não viu, na manifestação, violação à memória e à verdade.


Ditadura nunca mais

No Distrito Federal, pelo menos 200 pessoas (número divulgado pela Polícia Militar) marcaram presença em um ato promovido no Eixão, contra o regime instaurado pelo Exército. O encontro teve início por volta de 10h30. ;Ditadura nunca mais; e ;Quem mandou matar Marielle?; eram alguns dos dizeres nos cartazes carregados na manifestação. Os presentes levaram faixas, fizeram performances e, além de lembrar os crimes promovidos pelo Estado, criticaram a postura de defesa do regime de exceção.

O pedido do presidente para que o Ministério da Defesa rememorasse a data também foi foco da indignação. ;Soa como uma provocação. Independentemente de posição ideológica, apoiar e rememorar qualquer coisas que tenha relação com a tortura é desumano;, disse o servidor público Renato Amorim, 53 anos, que estava presente no ato.
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;Quem viveu ; e eu vivi ; sabe o que foi a ditadura. Era a exceção sobre todos os direitos;, completou o economista Roberto Marques, 63. O economista disse que se sentiu impelido a protestar após assistir a governantes se manifestarem abertamente a favor do regime militar que teve início em 1964. ;Estar aqui hoje é uma forma de se mostrar contra aqueles que querem ;comemorar; o golpe;, ressaltou.

Em Belo Horizonte (MG), manifestantes se reuniram na Praça da Liberdade, também pela manhã. O grupo dispôs na região fotografias de pessoas mortas pelo regime e anunciou o nome de cada uma das vítimas no microfone. Os presentes fizeram um ato em frente à antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) da capital mineira, onde opositores dos militares foram torturados.

Defensores de regime também vão às ruas

Manifestantes a favor da Ditadura Militar também se reuniram ontem. Integrantes do grupo Direita Minas, por exemplo, se reuniram no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste de Belo Horizonte (MG). Eles levavam bandeiras de Minas Gerais, do Brasil, além de uma bandeira do período imperial, e uma faixa parabenizando os militares com os dizeres ;Graças a vocês, o Brasil não é Cuba;.

Em Brasília, em frente à Biblioteca Nacional, na Esplanada dos Ministérios, um grupo, com pouco mais de 15 pessoas, se reuniu para falar a favor do golpe. ;O Brasil exige saber quem mandou matar Bolsonaro;, questionava uma das faixas presas ao carro de som. Os presentes levavam, ainda, bandeiras do Brasil e, um deles, uma camisa com o rosto dos presidentes militares do período 1964-1985.

Um dos organizadores, o jornalista e escritor Felipe Porto, 58 anos, falou sobre o ato. ;Nós estamos tentando fazer esse evento desde 2015, mas sempre nos impediam;, contou. ;Este ano, com a guinada do país à direita, conseguimos marcar a data. Eles (a esquerda) podem comemorar a Revolução Russa, Cuba, mas nós não podemos comemorar o 31 de março;, questionou.

O administrador Luca Torres, 25 anos, também marcou presença no protesto. Ele chamou a ação dos militares de 31 de março de ;contragolpe;. ;Viemos para relembrar um episódio marcante na nossa história, que foi esse contragolpe. Não é uma celebração, mas estamos aqui para relembrar o lado benéfico, que foi evitar que forças de esquerda tomassem o poder e instaurassem um regime totalitário. Além disso, também focamos no combate à corrupção.