Jornal Correio Braziliense

Brasil

Apenas 6,5% dos rios brasileiros têm boa qualidade da água, aponta estudo

Relatório divulgado pela ONG SOS Mata Atlântica mostra que grande parte dos cursos de água do país estão perdendo lentamente a capacidade de abastecer a população e até de abrigar seres aquáticos. A maioria tem condição regular, o que é considerado frágil


No Dia Mundial da Água, data escolhida para reflexão sobre a relação do homem com os recursos hídricos, o relatório O retrato da qualidade da água nas bacias da Mata Atlântica, divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica, mostra que, em geral, o relacionamento da sociedade brasileira com os rios não é bom. Isso porque os dados indicam que dos 278 pontos de coleta de água monitorados, apenas 18 deles (6,5%) apresentam qualidade boa. Nenhum conseguiu atingir o status de ;ótimo;.

A maioria dos rios, 74,5%, tem qualidade regular, enquanto 17,6% são considerados ruins e 1,4% péssimos. Logo, grande parte dos cursos de água perde, lentamente, a capacidade de abastecer a população, promover lazer para a sociedade e ser um ambiente saudável e propício para seres aquáticos. A especialista em água e assessora da Fundação SOS Mata Atlântica Malu Ribeiro acredita que o estudo serve para chamar a atenção da população. ;É um sinal de alerta, porque a condição regular não é a ideal. É uma condição muito frágil;, ressalta.

Apesar de Malu, avaliar a condição regular ; na qual a maioria dos rios foram classificados ; como um sinal amarelo, ela explica que nessa situação, o rio ainda tem a capacidade de diluir poluentes que recebe. No entanto, qualquer mudança climática, como uma seca, pode fazer com que perca a eficácia e passe a ser classificado como ruim. ;Além disso, dentro da situação regular, para a água chegar até uma qualidade boa, o tratamento precisa ser mais eficiente, consequentemente mais caro. Ou seja, gera um impacto não só ao ambiente, como também à economia e à saúde;, expõe.

Especialistas e pesquisadores elegem a falta de saneamento básico e ambiental como o principal motivo da contaminação das águas. ;As nossas cidades e atividades cresceram em um ritmo que o saneamento não acompanhou;, destaca Malu. Além disso, ela ressalta o aumento exponencial de fertilizantes químicos e as ;tragédias anunciadas;, como o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), como outros fatores de degradação.


Distrito Federal


No Distrito Federal, o Córrego do Urubu, localizado na Bacia do Lago Paranoá, no Lago Norte, foi o único rio analisado e apresentou qualidade de água regular. Muitos moradores da região concordam que a sujeira é absurda. Uma mulher, que preferiu não se identificar, criticou a poluição. ;Uma vez encontrei cachorro e galinhas mortos;, relatou. Segundo ela, em época de chuva é quando costuma haver bastante resíduo no rio. ;A enxurrada traz tudo, transborda e desce para o córrego;, contou a moradora, que não utiliza a água para consumo caseiro.

Polliana Case, 27 anos, é moradora da região há oito anos e não possui encanamento em casa. Apesar de buscar água toda semana em uma chácara no Paranoá para beber e cozinhar, ela capta recursos hídricos do córrego para tomar banho e lavar roupa. Polliana admite que a água é bastante suja, mas diz que nunca sofreu com nenhuma alergia. ;Muitos vizinhos possuem poços artesianos, mas aqui ninguém se ajuda. Se fosse todo mundo unido não tínhamos que ir longe buscar água;, lamentou. Segundo ela, nunca houve presença de uma autoridade no local para tentar solucionar os problemas.


Obstáculos e soluções


Para o professor do curso de gestão ambiental na Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Nolasco, a população se acomodou. ;Nos acostumamos com o cheiro ruim, com um rio sem peixe e sem vida;, afirma. Ao debater a responsabilidade das condições dos rios brasileiros, Marcelo diz que parte dos políticos culpa a população, mas é importante entender o porquê isso acontece. ;Na verdade, a sociedade brasileira foi muito mal-educada e isso faz com que não se enxergue as questões ambientais como pontos importantes;, lamenta.

Marcelo elogia o trabalho feito pela SOS Mata Atlântica. ;A ONG consegue ser brilhante em cumprir essa missão de apontar uma problemática que já deveria chamar muita atenção dos nossos políticos;, reforça. O professor do programa de pós-graduação de sustentabilidade da USP acredita que o documento se torna ainda mais relevante pois, de acordo com ele, o país vive um momento conturbado em relação às questões ambientais. Malu concorda. ;Para nós, é importante que a sociedade cobre ações efetivas dos governos estaduais e federais e isso mude;, frisa.


Projeto


Os dados divulgados foram produzidos pelo projeto Observando os Rios. A iniciativa conta com a participação de 3.500 voluntários que monitoraram 220 rios, de oito regiões hidrográficas do Brasil, entre março de 2018 e fevereiro de 2019.