Jornal Correio Braziliense

Brasil

Só 60% da população urbana têm acesso à coleta de esgoto no país

Falta de investimento no setor pode levar a grave contaminação das fontes hídricas do país, alertam especialistas

O acesso à água limpa e segura é considerado um direito humano essencial pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2010. No entanto, no Dia Mundial da Água, celebrado hoje, ainda é possível ver que essa garantia é constantemente ameaçada. Apontados por especialistas como fatores menosprezados, a falta de esgotamento sanitário e a poluição por ausência de saneamento interferem diretamente na disponibilidade hídrica e preocupam estudiosos do setor.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Regional mostram que o Brasil ainda dá passos lentos rumo à universalização do esgotamento sanitário. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, apenas 60,2% da população urbana do país têm acesso à coleta de esgoto.

Além disso, apenas 46% do esgoto é tratado. O presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), Fernando Franco, reconhece que a água não está sendo bem cuidada no Brasil. ;A população não tem foco na necessidade de ter um saneamento de primeiro mundo.; Um estudo feito pela Abar elenca alguns desafios para a universalização do esgotamento sanitário no país.

Franco destaca três deles: a ociosidade das redes, a falta de investimento e a desatualização da política tarifária. Apesar de ser considerado um serviço essencial, o saneamento sofre com baixos investimentos. ;De acordo com um estudo da Confederação Nacional da Indústria, com o atual nível de investimento, só em 2050 chegaríamos à universalização;, disse Fernando, que fez outro alerta: ;Em 2050, vai haver uma contaminação brutal de nossas fontes de água;.

O secretário nacional de Saneamento, Jonathas de Castro, acredita que o principal desafio é a melhoria dos indicadores de tratamento. ;Precisamos construir mais estações de tratamento de esgoto. Os dados mostram que temos redes, mas que elas não chegam às estações de tratamento;, afirmou. ;Existe um baixo interesse em investir em estações de tratamento, porque esgoto não é o que dá dinheiro.;

Investimentos

Castro acredita que a aprovação da Medida Provisória (MP) n; 868/18, que tramita no Congresso Nacional, é fundamental. A MP reformula o marco legal do setor e define Agência Nacional de Águas (ANA) como reguladora dos serviços públicos de saneamento básico. Além disso, facilita a privatização de empresas públicas e obriga o pagamento de tarifas, mesmo sem conexão ao serviço de água e esgoto. ;Estamos falando de um investimento superior a R$ 500 bilhões nos próximos 15 anos. O governo não tem esse valor para investir e precisamos da medida provisória para atrair capital privado;, disse Castro.

Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Sérgio Koide não vê na privatização a solução dos problemas. ;Saneamento não pode ser tratado como mercadoria. O problema tem que ser encarado sob a ótica de política de saúde;, afirmou.

Quatro perguntas para

Marcelo Cruz, diretor da Agência Nacional de Águas

Consumo precisa ser sustentável

>> Beatriz Roscoe*

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Qual a importância de debater o desperdício da água?
O Dia Mundial da Água é importante porque coloca em destaque a necessidade de cuidar de um bem que é vital, escasso, e que tem uma demanda crescente, devido ao aumento populacional. A água possui diversos usos e, se não for preservada, pode ocasionar um colapso na sociedade. É preciso pensar no desperdício, é preciso cuidar da água. Ela, diferentemente do petróleo, por exemplo, é um bem que não tem alternativa, e já é escassa por natureza. Por isso, a necessidade de cuidar da água.

Que tipos de iniciativas a ANA tem feito para contribuir para a valorização e preservação da água?
O Brasil tem em torno de 12% da água doce potável superficial do mundo, o que é um número absolutamente relevante no contexto mundial. Ela tem diversos usos, para consumo humano, consumo animal, na indústria, na irrigação para a agricultura. Um grande desafio, antes, era monitorar e mensurar o uso da água, e agora estamos lançando um produto inédito sobre a conjuntura de recursos hídricos no Brasil. Com isso, podemos fazer uma mensuração do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 6 da Organização das Nações Unidas, que congrega o elemento água no contexto sustentável.

De que forma se pode conscientizar a população para um uso mais consciente da água?

Temos a tendência de somente valorizar as coisas quando elas começam a fazer falta. O Brasil passou por crises hídricas recentemente. São Paulo sofreu bastante, o Distrito Federal também, e é na crise que a gente sente a necessidade de preservar. O nível de desperdício é alto no Brasil. Da captação de água nos mananciais até a torneira do consumidor, muita água se perde, com vazamento de canos, entre outros problemas. A conscientização passa por educação ambiental forte e pelo entendimento da necessidade. Mesmo com a recuperação hídrica o volume de uso proporcionalmente está melhor. As pessoas têm se preocupado mais com a água após sentir a falta que esse bem faz. Além das políticas de educação, é importante ter instrumentos para mensurar os usos e criar políticas não só de educação, mas também de infraestrutura.

Uma vez que a agricultura é um dos maiores consumidores da água no Brasil, que medidas devem ser tomadas para a preservação?
Precisamos unir a possibilidade de atender as demandas agrícolas, uma vez que a agricultura tem um papel de extrema importância na economia do país, a um uso sustentável da água. Precisamos entendê-la como um bem não só essencial à nossa saúde, mas como insumo econômico fundamental. Cabe a Agência Nacional da Água organizar, em conjunto com o Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente e até mesmo o Ministério da Economia, para incentivar o consumo sustentável da água.

*Estagiárias sob a supervisão de Odail Figueiredo