Luiz Calcagno
postado em 18/03/2019 06:00
;Qual a motivação para um crime tão brutal?; Essa era a pergunta que não queria calar após o massacre da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP). Na última quarta-feira, dois ex-alunos abriram fogo e desferiram golpes de machadinha contra estudantes e funcionários do estabelecimento de ensino. Agiram com frieza e covardia. A tragédia deixou 10 mortos, incluindo os atiradores, e 11 feridos, alguns em estado grave. Para o chefe da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, os assassinos queriam reconhecimento, que conseguiriam, acreditavam, emulando a chacina ocorrida em Columbine, no Colorado (Estados Unidos), em 20 de abril de 1999. É uma constatação importante, que, porém, não reduz a perplexidade causada pela barbárie.
Muitos apostaram nas próprias convicções para preencher o vazio. Políticos favoráveis a armar a população e a reduzir a maioridade penal aproveitaram para defender as pautas. Horas após a tragédia, o senador Major Olímpio (PSL-SP), líder do partido na Casa Legislativa, disse que a chacina não teria ocorrido se professores estivessem armados. O também senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) usou o Twitter para culpar o Estatuto do Desarmamento pelo massacre. O irmão dele, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), argumentou que ;arma é um pedaço de metal. Faz tão mal quanto um carro;.
Responsabilidade
Em busca de respostas, especialistas em segurança pública e educação procurados pelo Correio reformularam a pergunta inicial. Em vez de focar na motivação dos assassinos, questionaram o papel da sociedade brasileira no massacre de Suzano. Na visão de estudiosos, o ato bárbaro foi resultado não apenas da desfaçatez de fanáticos, mas de uma cultura de violência que tomou o país e que estimula indiretamente o tiroteio em massa. O argumento divide a responsabilidade pelo ataque entre a população. Para a socióloga e especialista em segurança pública Haydée Caruso, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), o .[SAIBAMAIS];Há uma flexibilização ideológica, uma narrativa de fazer justiça com as próprias mãos. Esse discurso atinge uma parcela mais jovem da população, os adolescentes, que estão construindo a própria identidade e definindo valores. Eles acompanham os debates, e os discursos de ódio têm se intensificado. A tragédia de Suzano foi provocada por um adolescente e um adulto que pertenciam àquela comunidade escolar. Um lugar de acolhimento e troca, que é a escola, está se tornando espaço de guerra, de cerceamento da palavra de professores e da juventude;, argumenta Haydée.
Para a socióloga, passa pela solução do problema aprender a resolver os conflitos. Ela destaca que ensinar jovens a lidarem com o bullying é importante, mas não suficiente. ;Minha experiência em cidades do DF mostra que a escola que explicita conflitos e cria espaços de mediação desses problemas tem resultados mais efetivos. Já as que falam que, se algo aconteceu fora dos muros, não é problema delas, enfrentam muita dificuldade. Abafar conflitos não resolve problemas. Mas, hoje, há uma estrutura de silenciamento. Professores estão intimidados pelo discurso de doutrinação em ambiente escolar e estudantes são desencorajados de se organizar;, aponta.
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Socialização
Para Haydée, o Estado está incluído no debate. Ela destaca que o argumento de armar a população retira do Estado a obrigatoriedade constitucional de garantir a segurança pública. ;Querem passar para o cidadão comum uma incumbência que não é dele. E armar o professor é ainda mais despropositado. Professores precisam de condições de trabalho;, destaca.Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência e Segurança Pública da UnB, Maria Stela Grossi concorda. ;A forma de socialização que tem predominado nas nossas crianças e adolescentes dá um espaço muito grande à violência. Soluções de conflito têm implicado mais em violência que em diálogo;, alerta. ;Há uma valorização da violência na nossa sociedade, e as crianças se projetam nisso. É difícil falar objetivamente o que influenciou os jovens a dispararem contra estudantes em Suzano, mas podemos olhar os valores que nossa sociedade tem cultivado;, reflete.
O criminalista Ademar Vasconcelos, professor aposentado de Direito Penal e Tribunal do Júri do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), vai além. Para ele, no caso de Suzano, os criminosos agiram na fronteira entre a patologia e a normalização da violência. ;O discurso de armar a população acaba estimulando um comportamento que se torna perigoso à medida que se aproxima do patológico;, pondera. ;As pessoas não me parecem preparadas para o debate sobre flexibilização do acesso às armas. As ideias ficam à deriva, mesmo entre os governantes;, critica.