Jornal Correio Braziliense

Brasil

Um Carnaval que já virou história

Como a música de Caetano Veloso já avisou: "atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu". E, portanto, quem está vivo e passou os quatro dias de folia pulando de bloquinho em bloquinho - 12 milhões, conforme as expectativas da Prefeitura de São Paulo - deve ter muita história para contar. A reportagem foi às ruas e ouviu sobre amores, encontros, desencontros, medos e confusões de quem aproveitou intensamente aquele que deve ser o maior carnaval de rua da história de São Paulo... Amor de carnaval Quem nunca sonhou com um romance de carnaval? A administradora de empresas Mariana Luz, de 38 anos, encontrou o seu príncipe/pierrô em um bloco de rua. Mas a situação não foi a mais trivial. "O bloco estava cheio, muito apertado. Me estranhei com uma garota e caí no meio do bloco. Achei que tinha me machucado. Mas foi aí que um rapaz, um cavalheiro, me levantou", contou. Mariana e o rapaz trocaram beijos e WhatsApp. Xaveco errado A vendedora Yasmin Dahas, de 24 anos, se enamorou por um ruivo (barba ruiva). Tinha cara de gringo, sambava igual a um gringo e falava um inglês perfeito. Já no fim do bloquinho, depois de muita conversa e um beijinho, Yasmin descobriu que o ruivão era na verdade brasileiro, um quase vizinho. Cadê meu celular? Infelizmente esse virou um clássico. A jornalista Ana Acossela, de 37 anos, estava com o celular em uma bolsinha a tiracolo. Mas, no meio do sufoco do bloco... já era! O celular foi furtado por um falso folião. "A sensação é muito ruim. Você se sente a pessoa mais burra do mundo", disse. Ana bloqueou o celular, fez boletim de ocorrência e decidiu não desistir do carnaval. "Fui em todos os blocos depois disso. Carnaval é uma vez por ano." Feliz aniversário Terça-feira de carnaval será um dia inesquecível na história de Marina Jacob. Ontem, ela completou 36 anos, e fez a própria festa de aniversário no meio do bloco Bastardos, em Pinheiros. "Chamei meus amigos para uma festa original", disse ela, que pulou carnaval com o marido José Luiz Santos, de 38 anos. Ilhada no bloquinho Essa aconteceu no sábado, no dia em que uma chuva intensa caiu sobre a cidade de São Paulo - pegando muitos foliões de surpresa. "A água começou a subir, invadiu casas e comércios. Eu fiquei totalmente ilhada, sem poder sequer me mexer direito. Não dava pra sair de carro ou andar para qualquer canto", conta a dentista Taís Araújo, de 23 anos. "No dia seguinte, eu voltei para o bloco, com guarda-chuva, capa de chuva, galocha e tudo mais. Resultado: não caiu uma gota d'água." Sambando com o inimigo Na folia de Momo, algumas pessoas até relaxaram ideologicamente e se permitiram sambar com o "inimigo político". "Quando eu percebi, estava pulando, brincando e dançando com pessoas que politicamente eu não tenho nada a ver. Pessoas que, provavelmente, eu brigaria em qualquer outro contexto", contou Jô Pereira, de 47 anos, que afirma ter brincado o carnaval com algum eleitor do Bolsonaro. "Mas ele também brincou comigo." Emoção no bloco A cantora Regina Albrectsen, de 62 anos, mora na Dinamarca há mais de 20 anos. Ela costuma visitar o Brasil apenas durante o período de carnaval. Nos últimos anos, tem notado a invasão de outros ritmos nos blocos e a falta de marchinhas. Nessa semana, quando caminhava pelas ruas da Vila Madalena, na zona oeste, deparou-se com um bloco pequeno, com pouca gente, mas com uma música clássica de carnaval, Ô Abre- Alas. "Confesso que me emocionei. Vi gente jovem cantando Chiquinha Gonzaga e me enchi de alegria." Cachaça na cabra Um grupo de amigos arrumou uma maneira de ganhar um dinheiro extra para pular o carnaval com um pouco mais de tranquilidade financeira. Eles compraram uma cabra de madeira, a Jenifer. O detalhe é que a tal da cabra é também um barril de cachaça. "Vendemos a dose de cachaça da cabra por R$ 2. E gastamos tudo em cerveja", lembrou Marçal Rigui, 27 anos. "O problema é que teve cachorro querendo se engraçar com a nossa cabra de madeira. Ele lambia a cabra e acabava tomando um pouco de cachaça." Primeira vez sem assédio Duas adolescentes deixaram Poá, na região metropolitana, para brincar na cidade. Ana Júlia Santos, de 14 anos, já tinha experiência de blocos. "Este ano, tirando um sujeito que vomitou no meu pé, o resto foi tranquilo. A campanha contra o assédio funcionou e ninguém ficou no meu pé. Ano passado foi muito difícil", relatou. Já a amiga Amanda Souza, de 15 anos, estava passando o primeiro carnaval em São Paulo. "Meu pai fica no WhatsApp querendo saber como a gente está. Mas não tive problema." Com jato de água Alan Ferreira, de 35 anos, trabalha como garçom em um bar. Ele conta que durante o carnaval o seu trabalho é muito mais complicado. "É muita molecada ficando bêbada. Eles chegam ao bar vestidos, mas depois que saem do banheiro estão quase pelados", observa. "Mas isso não é problema. Minha questão é que eles não querem ir embora do bar." Para expulsar os clientes madrugadores, Ferreira costuma ligar a mangueira que normalmente usa para lavar a calçada e dar verdadeiros banhos nos foliões insones e inconvenientes. Susto do Ambulante O ambulante Antônio Marcos Silva, de 22 anos, não vai esquecer desses dias tão cedo. Ele estava trabalhando no Largo da Batata, no último domingo, quando uma confusão começou. "A polícia chegou a jogar bombas de gás para dispersar o pessoal. Uma dessas bombas foi parar embaixo do meu carrinho de cerveja", conta. "Subiu muita fumaça. Eu achei que ia perder tudo", completou. Por sorte, o carrinho saiu sem nenhum arranhão. Unidas para sempre Mais um carnaval que a família Cavanha passa unida. Mãe, filha e sobrinha fizeram do encontro nos bloquinhos uma tradição que se repete todo o ano. "O bom de ter mãe maquiadora é que a gente sai da casa dela toda montada e pronta para a folia", falou Ceci Santos, de 54 anos. "Sempre fui do carnaval. É uma das épocas do ano que fico mais feliz", garante Elizabeth Cavanha, de 74 anos. Cadê os blocos? As famílias Mendes e Simões não gostaram da mudança de alguns bloquinhos de Pinheiros e Vila Madalena. Elas saíram de casa contando com os cortejos que passariam perto do Largo da Batata. "Agora, a gente anda, anda e não acha bloco nenhum. Eu sei que teve problema, que as coisas precisam melhorar no carnaval, mas precisa informar melhor o folião. Fica aqui o nosso protesto", disse a psicóloga Silvia Simões, de 59 anos. Sem encontrar um bloco para chamar de seu, as famílias decidiram sentar e tomar uma, duas, três cervejas. "Tenho 81 anos. Meu marido não era de carnaval. Mas quando fiquei viúva decidi que não perderia mais nenhum bloco", fala Alice Cordeiro Simões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.