Com a saída da Avenida 23 de Maio, pelos transtornos do ano passado, a Tiradentes se tornou a alternativa para blocos de grande porte no centro expandido. Além do fator histórico, a programação de abertura será nostálgica também para os cortejos - três estarão focados em músicas da década de 90 e do início dos anos 2000.
Às 10 horas, o Domingo Ela Não Vai tocará músicas de Daniela Mercury, É o Tchan, Araketu e outros nomes da axé music e espera atrair mais de 100 mil. "Mesmo quem não gosta já ouviu, tem o refrão na cabeça e sabe um pouco da coreografia", afirma o ator Alberto Pereira Jr., de 32 anos, um dos fundadores. "Foi a época (os anos 90) da explosão do axé, que estava todos os dias na TV", conta.
Na continuação, ocorre outro megaevento, o Love Fest, que reunirá blocos LGBTI. Em seguida, ao meio-dia, os anos 90 voltam ao centro, desta vez com foco no pagode, puxado pelo Lua Vai. Segundo um dos fundadores, o produtor cultural Leandro Pardi, de 32 anos, o desfile deve ter pelo menos dois momentos catárticos: a música-tema (do Katinguelê) e Cheia de Manias, do Raça Negra. "Todo mundo levanta a mão para cantar junto. Quando começa, a gente só escuta o coro." Segundo ele, as canções "tocam no emocional" dos foliões (e a expectativa é de 250 mil).
Ainda assim, o bloco eventualmente faz mudanças nas letras das músicas consideradas mais datadas (por causa de preconceitos). "A gente adapta, vive em outra sociedade hoje", justifica. Em Bom-Bocado, do Art Popular, por exemplo, após cantar "debaixo da saia que eu vou", o vocalista complementa ("só se ela deixar").
Às 14 horas, surge o Chá da Alice, organizado pelos promotores da festa carioca homônima. Por fim, às 15 horas, o Bloco Emo traz o rock romântico dos anos 2000, com canções de grupos como Fresno, Simple Plan e Forfun. "É um público que era adolescente quando essas bandas bombavam, há uns dez anos", conta o produtor de eventos Alexandre Cavalcanti, de 31 anos, um dos fundadores. O público estimado ainda assim é de 50 mil.
Para ele, o desfile será simbólico por passar próximo do local onde ficava o Hangar 110, principal casa de shows de bandas emo na capital. "A gente chamou um mestre de baterias que fez arranjos das músicas."
História
Um dos berços do samba paulistano, a região central concentrou o carnaval de escolas de samba até a inauguração do Anhembi, em 1991. Originalmente na Avenida São João e, depois, no Vale do Anhangabaú, a festa foi transferida para a Tiradentes em 1977. "Não era (uma área) afastada, mas era suficientemente longe para não atrapalhar o fluxo central do trânsito", conta Olga Rodrigues de Moraes von Simson, professora colaboradora da Unicamp e autora do livro Carnaval Em Branco e Negro."(A Tiradentes) ficou marcada como o lugar onde o desfile de escola de samba ficou mais tempo", destaca Tadeu Kaçula, sociólogo e pesquisador de carnaval. "Foi um marco no processo de desenvolvimento e reafirmação das escolas de samba, um divisor de águas. Ali começou todo o processo de desenvolvimento para que hoje São Paulo tenha um dos maiores carnavais do Brasil."
Ele destaca, por exemplo, que foi na Tiradentes que surgiram os primeiros grandes carros alegóricos, enquanto antes eram utilizadas mais estruturas em tripés. "Foi quando mais se popularizou. Pessoas de outras cidades vinham interagir, participar", lembra. "Voltar com o desfile na Tiradentes é muito mais do que nostálgico, é reconhecer a importância desse circuito no carnaval."
Mudança
Para Olga, os blocos de rua ganharam força conforme os desfiles de escolas de samba se tornaram mais competitivos e cheios de regras. "Vão se fechando cada vez mais as condições para o folião participar. Isso faz com que diminua aquele desejo de curtir o carnaval, de participar como uma coisa prazerosa, algo que traga reconhecimento", diz. "Os blocos têm tomado uma nova forma de brincar, de maneira mais livre."O sociólogo Tadeu Kaçula acrescenta que o carnaval do sambódromo e o de rua têm perfis distintos. "Os blocos do circuito Vila Madalena-23 de Maio são de classe média, muitos com pessoas que não frequentam escolas de samba, que nunca pisaram no sambódromo. É outro modelo de organização", conta. "Brincam o carnaval pela festa, não tem um marco histórico, de referência cultural." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.