Uma médica pernambucana de 40 anos recebeu uma proposta quase irrecusável em outubro do ano passado: fazer investimentos em uma modalidade pouco conhecida por ela, mas com boas perspectivas de retorno. Em três meses, ela investiu R$ 150 mil, esperando obter lucro em transações com criptomoedas. Como resposta às perguntas sobre os saldos, porém, ela recebeu, nas últimas semanas, o silêncio do homem que havia prometido gerenciar o dinheiro. Até as 17h de ontem, ela e outras 11 vítimas haviam procurado a Polícia Civil para informar que foram lesadas por um golpe. O grupo denunciou um empresário recifense que teria usado os valores depositados pelos clientes e, por ser viciado em jogo, perdido o dinheiro deles.
A médica, como outros colegas de profissão, acreditou que faria um bom investimento ao efetuar transações com bitcoins intermediadas pelo empresário. ;Tirei todas as dúvidas com ele e, desde outubro, inseria valores. Há 15 dias, porém, ele começou a enrolar para enviar os extratos;, conta. Além dela, outros médicos pernambucanos, paraibanos e baianos estão entre as possíveis vítimas. Eles foram convidados a fazer os investimentos pelo pai do empresário, um ortopedista que atua no polo médico do Recife.
O Diario de Pernambuco conversou com dez pessoas que afirmam ser vítimas do empresário, sendo oito pernambucanos e dois paraibanos. Desses, sete eram médicos, dois administradores e um autônomo. Os valores investidos por eles variam entre R$ 50 mil e R$ 600 mil. ;Durante a semana, ele deixou de atender o telefone e responder às mensagens. Só me dei conta de que era um golpe quando recebemos um comunicado;, disse o médico Luan (nome fictício), de 37 anos, que depositou R$ 120 mil na conta do empresário.
Além de ser filho de um médico conhecido pela maioria das vítimas, o empresário apresentava números e informações sobre o mercado que atuava. Um contrato era assinado entre ele e os clientes. No começo da semana, ele teria divulgado um comunicado aos investidores. ;Bastante consternado, informo-lhes que, ante as variáveis do mercado financeiro, em especial ao risco das operações que as cercam, houve atrasos nos repasses dos saques, entre outros inconvenientes;, dizia a nota enviada.
Como conheciam o pai do consultor financeiro, muitos médicos o procuraram e tiveram outras respostas. ;Fomos informados de que ele, que cuidava de parte do nosso dinheiro, era viciado em jogos e teria perdido toda a quantia investida pelos clientes. Ficamos sabendo que não está foragido, mas que estaria internado em uma clínica psiquiátrica. Queremos respostas concretas e nosso dinheiro de volta, por isso procuramos a polícia;, disse o autônomo João (nome fictício), 36.
A Polícia Civil informou que instaurou inquérito policial para ;apurar a responsabilidade criminal de um jovem empresário, que seria corretor de ações e que fazia proposta de investimentos e gerenciamento de valores na moeda bitcoins. Ocorre que algumas pessoas que realizaram o investimento estão sentindo-se lesadas, por não conseguir mais contato com o agente financeiro;. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Repressão ao Estelionato, que não divulgou o nome do suspeito. O delegado Romulo Aires está a frente das investigações. Segundo ele, ;ainda é cedo para falar em golpe;. O número de denúncias deve aumentar nos próximos dias, de acordo com as vítimas, pois, segundo elas, mais de 20 pessoas foram lesadas e devem procurar a Polícia até a próxima semana.
Alternativa ao sistema financeiro
O bitcoin foi a primeira criptomoeda criada. Surgiu em 2009 e, desde então, outras tecnologias semelhantes foram desenvolvidas. De acordo com o co-fundador da Bitjá, uma startup de compra e venda de criptomoedas, Victor Cavalcanti, o código do bitcoin é aberto. ;Com isso, outras foram sendo criadas e mudadas em alguns aspectos. Hoje, existem várias criptomoedas;, afirmou. ;Imagine que no seu computador você tem um arquivo de Word. Ele é virtual, não existe no mundo físico, mas você pode copiar e passar para quantas pessoas quiser. A criptomoeda é como esse arquivo no sentido de existir no mundo virtual. No entanto, diferentemente do arquivo Word, é impossível de ser copiado.;
Assim, quando o bitcoin é enviado, quem o remeteu perde o controle sobre ele. ;Outra característica é que o mercado determina o seu valor. É uma forma fora do sistema tradicional financeiro de transacionar valor. Uma das diferenças (em relação ao sistema tradicional) é que a taxa para mandar qualquer valor é igual. Não importa se R$ 10 ou um milhão. Se para o Recife ou para o Japão;, esclareceu. ;Onde estou colocando o meu dinheiro é a primeira questão que uma pessoa deve responder quando quer investir. Se você não possui a senha, o bitcoin não é seu;, completou Cavalcanti.
O consultor do BitRecife Marcos Vinícius Moraes enfatiza que a primeira dica para quem quer investir com segurança nesse mercado é procurar empresas estabelecidas. ;É preciso procurar empresas com credibilidade e não se aventurar com pessoas sem escritório, site e CNPJ ativos, por exemplo. Nas empresas sérias, a conta é no nome do cliente. É necessário ainda ter cuidado com promessas irreais de riqueza. Não invista seu dinheiro em empresas que prometem ganhos extraordinários e lembre-se que só você é o responsável pelo seu investimento, pelos seus criptoativos;, pontuou.
Saiba Mais:
O bitcoin é uma criptomoeda, isto é, um ativo digital que não tem correspondência no mundo real
As criptomoedas são geradas por um algoritmo de computador
A criação do bitcoin, em 2009, foi feita em uma lista de criptografia por Satoshi Nakamoto
A gestão do estoque global da moeda é feita por meio da tecnologia de blockchain
A estrutura compartilhada na internet dos registros de transação torna a moeda não rastreável
Por não ter contrapartida real nem autoridade monetária para garantir seu valor, o Bitcoin vale o quanto as pessoas acham que vale
Em janeiro de 2017, a criptomoeda valia R$ 3 mil no mercado brasileiro
No fim de 2017, quando a euforia atraiu muitos investidores, a cotação se aproximou dos R$ 65 mil
Em todo o ano de 2018, o bitcoin acumulou perdas de 73% após autoridades norte-americanas passarem a investigar supostas fraudes e irregularidades do setor
Em janeiro deste ano, a criptomoeda estava sendo negociada a R$ 14,9 mil
Perder bitcoins é mantê-los perdidos para sempre, pois não há nenhuma maneira de alguém encontrar a chave privada que lhes permitiria serem gastos
Isso aconteceu no último dia 5, quando o dono de uma corretora de criptomoedas morreu e acabou bloqueando, com isso, centenas de milhões de dólares em moedas virtuais dos clientes
Ele era a única pessoa a ter acesso a cerca de R$ 700 milhões em criptomoedas, e a senha acabou se perdendo com a morte
O Recife é considerado a capital do Nordeste em transações de criptomoedas. No país, fica atrás apenas de São Paulo