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Veja como ficaria Congonhas (MG) em caso de rompimento das barragens locais

Vinte e quatro barragens cercam a histórica Congonhas, 54% delas com alto dano potencial associado. Em caso de desastres, 'a casa' dos profetas de Aleijadinho seria devastada

Junia Oliveira/Estado de Minas
postado em 11/02/2019 08:35
Rodeada por 24 barragens, Congonhas seria varrida do mapa em caso de ruptura, aponta estudo
Uma população de aproximadamente 54 mil habitantes cercada por 24 barragens. O maior ativo econômico de Congonhas, na Região Central de Minas Gerais, a 89 quilômetros de Belo Horizonte, se tornou também a principal preocupação de moradores. Do total de empreendimentos, 54% têm dano potencial associado considerado alto.

Relatório feito pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Congonhas, ao qual o jornal Estado de Minas teve acesso, mostra o que ocorreria na cidade caso as represas se rompessem. Os cenários estudados apontam uma paisagem desoladora: a cidade histórica que abriga os profetas do mestre Aleijadinho seria praticamente varrida do mapa em qualquer situação. E não para por aí. Povoados até mesmo de outros municípios seriam drasticamente afetados.
São 24 barragens de quatro empresas. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) tem o maior número de estruturas (13), seguida pela Vale e Gerdau (cinco cada uma) e Ferrous (uma). Elas estão incluídas na categoria de risco baixo, mas 13 delas têm potencial associado considerado alto. O risco mede os níveis de problema que ela tem, incluindo a probabilidade de ruptura.

Já o potencial associado indica os danos (ambientais, sociais e econômicos) que poderão ocorrer. Sete têm potencial médio e o restante, baixo. O relatório afirma que o perigo oferecido pelas barragens não pode ser subestimado ou diminuído, ;devendo ser encarado como real, mas reconhecendo que pode ser minimizado com o conhecimento detalhado das reais consequências que possam vir a acontecer numa situação de ruptura;.

Os cenários de possíveis desastres foram traçados a partir de informações obtidas pela prefeitura e modelos matemáticos sobrepostas aos mapas de inundação requeridos junto às empresas que têm barragens no município de Congonhas. Esses dados foram lançados e sobrepostos em imagens de satélite obtidas no software Google Earth, como parte do Plano Municipal de Segurança de Barragens.

A maior delas, a Barragem Casa de Pedra, da CSN, localizada próxima à área urbana, tem 21 milhões de metros cúbicos, atualmente ; há quem conteste a informação, dizendo que o total chega a 50 milhões. São 107,5 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração e água acondicionados nas represas da cidade.

Estancamento no Rio Maranhão


Um evento na área dessa barragem poderia, além do impacto com o rejeito e água verificado nas projeções, provocar um estancamento no Rio Maranhão, represando o mesmo e causando inundação de toda a Área Central, até que sua fluidez fosse normalizada, o que levaria muitos dias, dependendo de uma série de fatores climáticos e de material acumulado. A previsão é que 1,5 mil pessoas seriam atingidas diretamente.

Um rompimento na barragem de água do Lago Soledade, da Gerdau, causaria um evento de grandes proporções na área urbana. A perspectiva é de que atingiria mais de 3,5 mil pessoas. Além do Centro de Congonhas, distritos como Joaquim Murtinho e Lobo Leite (localizado em Ouro Preto) seriam afetados.

A água inundaria também a BR-040, provocando arraste e impedindo o fluxo de trânsito. ;Há relatos de ;transbordamento; de água da barragem que resultaram inclusive no rompimento de um duto de passagem que provocou o desmoronamento de trecho da MG-030, próximo ao Distrito de Lobo Leite, e a consequente inundação de pontos na zona urbana. Nenhum registro sobre o assunto foi encontrado;, aponta o documento.

Ainda de acordo com o relatório, análise do mapa de inundação da Barragem do Vigia, da CSN, mostra que são fortes os indícios de subdimensionamento das áreas de alcance hipotético da onda. ;Sobretudo se comparado a um evento concreto em 2007, que inundou o Bairro Santa Mônica.

Pela projeção do estudo atual, mesmo considerando o colapso total da barragem, ou seja, um evento de proporções bem maiores que o rompimento no extravasor da ombreira em 2007, a onda de inundação não afetaria o Bairro Santa Mônica, por exemplo, o que não corresponde com o caso concreto que se verificou há 10 anos;, informa o texto.

Na Barragem do Barnabé, na Vale, a montante da Cachoeira de Santo Antônio, um eventual rompimento inundaria o Parque Ecológico da Cachoeira por completo. ;Se tal evento acontecesse em um período de alta temporada, quando o parque chega a receber milhares de turistas, os alertas sonoros e zonas de autosalvamento (ZAS) pouco teriam serventia, pois as pessoas não saberiam como proceder, além de não existir atualmente nenhum plano de contingência;, alerta o relatório.

Vinte e quatro barragens cercam a histórica Congonhas, 54% delas com alto dano potencial associado. Em caso de desastres, 'a casa' dos profetas de Aleijadinho seria devastada

Risco por todo lado

A preocupação é grande com a Barragem Casa de Pedra, devido à sua localização: praticamente dentro da cidade, é a que todos veem, parecendo abraçar a área urbana. A estrutura fica a 250 metros de casas e a 2,5 quilômetros do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, patrimônio cultural da humanidade.

Mas outras merecem atenção, diz o secretário Municipal de Meio Ambiente de Congonhas, Neilor Aarão. ;O estudo avalia o cenário como se todas se rompessem ao mesmo tempo. Cruzamos todos os dados, alguns não foram satisfatórios na comparação com exemplos de casos concretos. Os estudos das empresas estavam subdimensionados;, acrescentou.

Embora próxima à área urbana, Casa de Pedra é considerada mais segura por causa do seu método de construção: a jusante. Por ele, a barragem é amparada por terreno que vai sendo erguido ao lado dela e preparado para receber a estrutura. À medida que a estrutura vai sendo ampliada, ele vai crescendo. É uma técnica mais cara que a montante, cuja ampliação se faz em cima do próprio rejeito.

O professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e da pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), engenheiro hidráulico Carlos Barreira Martinez, lembra que a cidade antecede a barragem. ;Elas estão muito próximas à área urbana. E são originárias de um outro tempo: quando a imprensa não existia, pessoas não tinha aceso à universidade ou ao WhatsApp. As empesas têm dinheiro para gastar. Para elas, o único impacto é um custo mais alto do minério pela paralisação de algumas áreas da Vale e a diminuição da produção.;

Procuradas para se posicionar sobre o Plano Municipal de Segurança de Barragens de Congonhas, a Vale, a CSN e a Ferrous não se manifestaram. A Gerdau informou, por meio de nota, que a barragem para a reserva de água de Soledade está localizada já no município vizinho de Ouro Branco e é usada para a captação da água necessária para a operação da usina daquela cidade.

;Soledade é uma barragem convencional e não possui alteamentos como as de rejeitos de mineração. A Gerdau reforça ainda que Soledade passou por inspeção em setembro de 2018 e recebeu parecer favorável da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), que atesta as condições de segurança hidráulica e de estabilidade física do maciço;, diz o texto.

Histórico

A preocupação em Congonhas não é para menos. O levantamento mostra 20 desastres em barragens no mundo, sendo sete deles no Brasil, todos em Minas Gerais. A ocorrência mais antiga em território mineiro foi a Mina de Fernandinho, em 1987, quando sete pessoas morreram.

Depois, veio o da Mineração Rio Verde, em Macacos (Nova Lima, na Grande BH), em 2001, com cinco mortes no desastre que atingiu 43 hectares e assoreou 6,4 quilômetros do leito do Córrego Taquaras. A partir daí, o estado viveu uma sequência de tragédias.

Em 2003, em Cataguases, na Zona da Mata, a barragem de água e resíduos de produção de celulose de um dos reservatórios da Indústria Cataguases de Papel se rompeu, liberando no Córrego do Cágado e no Rio Pomba cerca de 1,4 bilhão de litros de lixívia (licor negro), sobra industrial da produção de celulose. O desastre afetou três estados, deixando 600 mil pessoas sem água.

Quatro anos depois, foi a vez da Barragem da Mineradora Rio Pomba Cataguases (Mineração Bauminas). Mais de 4 mil moradores ficaram desalojados, e ao menos 1,2 mil casas foram atingidas. Em 2014, novamente em Itabirito, uma barragem da Mineração Herculano se rompeu e soterrou os operários que realizavam a manutenção no talude de uma represa de rejeitos de minério de ferro desativada, deixando três mortos.

Um ano depois, o rompimento da Barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central do Estado, entrou para o mapa do mundo como o maior desastre socioambiental do planeta. Dezenove pessoas morreram. Um dos corpos nunca foi encontrado. A tragédia de Brumadinho já soma 160 morots e 165 desaparecidos.

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