O Ministério Público arquivou as investigações sobre suposto pagamento de propinas na licitação bilionária da Parceria Público-Privada (PPP) da iluminação de São Paulo. O caso envolve a ex-diretora do Departamento de Iluminação Pública (Ilume), Denise Abreu, alvo de buscas e apreensões sob a suspeita de receber vantagens indevidas para beneficiar a empresa FM Rodrigues no certame. No fim de janeiro, a Justiça homologou a promoção de arquivamento do inquérito.
As supostas irregularidades foram investigadas pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público paulista, desde março do ano passado, quando a ex-funcionária da Ilume, Cristina Maria, delatou suposto pagamento de propinas da FM Rodrigues a Denise Abreu, sob a condição de ser vitoriosa na licitação da iluminação pública. O contrato é estimado em pouco mais de R$ 7 bilhões.
Segundo a versão de Cristina, a FM Rodrigues havia pago propinas para Denise e a outros servidores da Ilume: o assessor jurídico José Thomaz e o engenheiro Michel Kage. Ambos passaram a integrar a comissão de licitação responsável pelo contrato a pedido de Denise.
Em maio, a ex-diretora da Ilume foi alvo de buscas e apreensões após o Gaeco receber gravações nas quais Denise citava o suposto esquema de propinas.
A Promotoria também obteve na Justiça a quebra do sigilo de mensagens entre Denise e os demais investigados. No entanto, os documentos não apontavam irregularidades. Os promotores também descartaram possível irregularidade na indicação de Thomaz e Kage à comissão de licitação.
"Nas conversas travadas entre os membros da comissão e Denise não há qualquer indício que aponte que a investigada articulou alguma estratégia para que a FM Rodrigues tivesse se consagrada vencedora da licitação", diz o Gaeco, em pedido de arquivamento. "O que existe é uma troca de pareceres e minutas entre a comissão e a Ilume."
O documento foi encaminhado ao Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (DIPO) em janeiro deste ano, mas foi elaborado ainda em dezembro, na mesma data em que a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a licitação bilionária.
Além das informações obtidas nos mandados de busca, os promotores avaliaram os depoimentos prestados por Denise e os demais envolvidos, incluindo o empresário Marcos Rodrigues, da FM Rodrigues. Todos negaram a existência de um esquema de propinas.
Denise afirmou que a FM Rodrigues foi escolhida após o Consórcio Walks tentar "driblar a lei" ao participar da licitação quando já havia sido classificada como inidônea pela Controladoria-Geral da União por envolvimento nas ilegalidades da Operação Lava Jato.
De acordo com o Gaeco, "é indiscutível que Denise sequer tinha posto político para beneficiar a FM Rodrigues no período de habilitações", visto que a ex-diretora só assumiu o cargo em janeiro de 2017, no início da gestão João Doria (PSDB). Naquela época, a licitação já se encontrava no período de abertura das últimas propostas.
"O Gaego não logrou a confirmação da prática de nenhum ilícito penal por parte de Denise e dos integrantes da comissão de licitação", afirmam os promotores.
"Conclui-se não ser possível falar em crime de organização criminosa, vez que não há nenhuma prova que indique que os funcionários da Ilume se associaram de forma estruturada e organizada para a obtenção de vantagem ilícita econômica".
Paralelamente às investigações do Gaeco, a Controladoria-Geral do Município instaurou processo administrativo para ouvir os delatados e elencou cinco contestações encontradas na licitação, entre elas, a possível restrição de competitividade e a desigualdade nos critérios de avaliação dos documentos das empresas que disputavam o contrato.
De acordo com os promotores, as irregularidades apontadas são de "natureza administrativa", ou seja, "questionamentos das ações políticas que o administrador tomou ao escolher a modalidade de PPP, excluir um licitante que foi suspenso temporariamente por órgão federal e dúvida acerca da imparcialidade dos membros da licitação".
O Gaeco recomenda aos órgãos administrativos de fiscalização a apuração as medidas tomadas desde 2013 até a contratação da FM Rodrigues, em março de 2018.
Relembre o caso da PPP da iluminação
2013: Durante a gestão Fernando Haddad (PT), foi publicado chamamento público para estudos técnicos e modelos de contratos, como a PPP, para a modernização, otimização, expansão, operação e manutenção da infraestrutura da rede de iluminação pública de São Paulo. Dezenas de empresas se cadastraram.
2014: Os estudos foram apresentados em relatório da Comissão Especial de Avaliação e foram submetidos ao Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas.
Abril de 2015: Conselho Gestor aprova projeto de PPP da Iluminação Pública e edital de licitação é publicado.
Junho de 2015: O processo é suspenso pelo Tribunal de Contas do Município por falhas no edital, que passa a ser corrigido pela Prefeitura.
Novembro de 2015: o edital é republicado, aumentando o valor mensal do contrato para aproximadamente R$ 30 milhões ao longo de 20 anos de concessão, totalizando cerca de R$ 7 bilhões. A empresa vencedora teria que instalar 700 mil lâmpadas de LED em toda São Paulo.
Fevereiro de 2016: É realizada a sessão pública para entrega dos envelopes com as propostas das empresas. O Consórcio Walks e a FM Rodrigues disputam o contrato.
Abril de 2016: O TCM suspende novamente o certame após a FM Rodrigues apresentar representação contra a Walks, alegando que o consórcio não cumpria todos os requisitos do edital.
Janeiro de 2017: No início da gestão João Doria (PSDB), Denise Abreu assume a diretoria do Departamento de Iluminação Pública (Ilume), responsável pela licitação.
Julho de 2017: TCM libera a licitação da PPP. Inicia-se uma briga judicial entre a Walks e a FM Rodrigues, mas nenhuma decisão suspende o processo. Apesar da liberação, a Prefeitura não retoma o edital de imediato.
Novembro de 2017: O TCM questiona a Prefeitura se iria continuar com a licitação ou realizar um novo modelo de contrato para a iluminação pública. A gestão João Doria fez contratos emergenciais para a iluminação pública.
Janeiro de 2018: A FM Rodrigues é escolhida como vencedora da licitação bilionária da PPP de iluminação pública.
Março de 2018: O Gaeco começa a investigar Denise Abreu após ex-funcionária da Ilume delatar esquema de pagamento de propinas da FM Rodrigues à diretora da Ilume e membros da comissão de licitação para obter o contrato. Paralelamente, a empresa assina contrato de R$ 7 bilhões com a Prefeitura.
Abril de 2018: Já sob a gestão Bruno Covas (PSDB), o controlador geral do município Guilherme Mendes é demitido e fala em "esquema estruturado" de corrupção na administração municipal, citando, entre outros pontos, a suspensão dos contratos da Parceria Público-Privada (PPP) da Iluminação pública. No mesmo mês, o juiz Alberto Alonso Muñoz, da 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, concede liminar e suspende o contrato da PPP.
Maio de 2018: O Gaeco faz buscas e apreensões na casa e no escritório de Denise Abreu, levando documentos e HDs relacionados ao processo licitatório. Os promotores também obtém quebra do sigilo das mensagens trocadas entre a diretora da Ilume e outros investigados.
Dezembro de 2018: O Gaeco elabora pedido de arquivamento de investigações após não encontrar provas de ilegalidades na licitação da iluminação pública ou indícios de crime de organização criminosa. No mesmo mês, a 1ª Câmara de Direito Público anula a PPP e determina à Prefeitura que faça uma nova licitação em um prazo de 60 dias.
Janeiro de 2019: O Gaeco encaminha o pedido de arquivamento à juíza Patrícia Álvarez Cruz, do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (DIPO).
Defesa
Com a palavra, o criminalista Roberto Podval, defensor de Denise Abreu
"Impecável a participação do Ministério público paulista, mostrou-se independente e correto. Fico feliz pelo resultado."
Com a Palavra, os advogados Maurício Silva Leite e Alexandre Sinigallia, Defensores da FM Rodrigues
Procurada a defesa da FM RODRIGUES e dos seus sócios informou que "a decisão de arquivamento confirma a idoneidade e seriedade da empresa FM RODRIGUES. Desde o início ficou muito claro que as acusações levadas ao Ministério Público eram levianas e que a empresa não praticou qualquer ato ilícito".
Maurício Silva Leite e Alexandre Sinigallia, do Leite, Sinigallia e Forzenigo Advogados.