Alan Rios
postado em 10/12/2018 06:00
Abadiânia (GO) e Brasília ; O serviço de Inteligência da Polícia Civil de Goiás investiga, desde junho, denúncias de abusos sexuais que teriam sido praticados pelo médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus. À época, o Ministério Público do Estado havia encaminhado um ofício pedindo que o delegado-geral da Polícia Civil, André Fernandes, apurasse a conduta do religioso. O trabalho dos agentes tramita em sigilo para preservar as vítimas. No entanto, com a repercussão do caso, mais mulheres quebraram o silêncio.
Dezenas de vítimas deram depoimentos à imprensa sobre abusos praticados por João de Deus, que nega as acusações. O Correio localizou duas mulheres. Uma delas mora no Noroeste. Ela contou que o assédio ocorreu em 2006, quando buscava uma cura para a mãe. Já uma moradora de Valparaíso (GO), cerca de 37km de Brasília, disse ter sido molestada durante um tratamento contra a depressão, em 1999. Hoje, elas garantem que vão procurar a polícia e o Ministério Público para formalizar as denúncias (leia depoimentos ao lado). Os promotores de Justiça de Goiás devem montar uma força-tarefa e pedem que as vítimas procurem a polícia. Eles darão hoje uma entrevista coletiva.
O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes Almeida, pediu que as apurações não se atenham somente aos abusos sexuais, mas também ao exercício ilegal da medicina e estelionato ; casos denunciados desde os anos 1970 e arquivados pelo regime militar. A principal missão dos investigadores será reunir depoimentos de outras possíveis vítimas.
Mesmo que as investigações tenham começado em junho, a apuração efetiva deslanchou em outubro, após a Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic) receber denúncias de mulheres que alegam terem sido abusadas. ;Recebemos esse relato e instauramos o inquérito, com toda atenção, devido à complexidade do caso. As mulheres serão ouvidas pela Polícia Civil para que possamos buscar as provas necessárias para investigar com imparcialidade e com eficiência;, destaca o delegado.
O modo de atendimento denunciado pelas mulheres ; encontros sozinhas com o médium após consultas espirituais ; é condenado pela Federação Espírita Brasileira (FEB). A organização recomenda que o serviço não deva ocorrer isoladamente. ;Não (se) recomenda a atividade de médiuns que atuem em trabalho individual, por conta própria. Eles não estão vinculados ao movimento espírita nem seguindo sua orientação;, criticou, em nota.
Defesa
A doutrinadora espírita Maria de Fátima Nunes Eymard conhece João de Deus desde a infância. A religiosa sai em defesa do médium. ;Professamos a mesma fé, sempre foi muito limpo, correto, caridoso e moralmente rico. Muito estranha e assustadora essa conversa. O João nunca fica sozinho, tem sempre uma assistência e uma corrente mediúnica com ele;, afirma.
A assessoria de imprensa de João de Deus classificou as denúncias como ;falsas e fantasiosas". ;A sala em questão é pública, qualquer um tem acesso a ela e jamais fica trancada. É lamentável, uma vez que o médium João é uma pessoa de índole ilibada;. Ele já foi acusado de outros crimes sexuais, como sedução de menor e atentado ao pudor. Em nenhum dos casos, foi considerado culpado.
O médium é um dos mais famosos do país e realiza, desde 1976, atendimentos e ;cirurgias espirituais;. A fama conquistou a atenção de personalidades brasileiras e internacionais. A apresentadora Xuxa Meneghel, a modelo Naomi Campbell, a apresentadora Oprah Winfrey, o ex-jogador de futebol Ronaldo Fenômeno e os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff já foram atendidos por ele.
Uma cidade abalada
O comércio do município goiano de Abadiânia, distante 90km de Brasília, está preocupado. Os moradores da cidade evitavam os carros e equipes de reportagem, que desde o início do escândalo foi sacudida pela repercussão negativa do caso. Dois pacientes internacionais ; uma nova iorquina e um mexicano ; defenderam o trabalho do médium João de Deus. Segundo eles, o local tem ;boas energias; e os relatos de cura são incontestáveis.
O mexicano Daniel Ramon, 59 anos, está hospedado na rua da Casa Dom Inácio de Loyola. Ele visita Abadiânia rotineiramente por acreditar no poder de renovação espiritual do lugar. ;Eu me sinto em paz lá, sempre fui tratado muito bem, o João sempre foi muito amável com todos. Conheço gente que não conseguiu tratar doenças com os melhores médicos dos Estados Unidos, mas saiu daqui sem nenhum problema;, disse.
Com ele, estava Viana Mauro, filha de brasileiros, mas moradora dos Estados Unidos. Ela conta que viu sua vida mudar completamente em 10 dias após atendimentos com o médium. ;Eu cheguei sem saber se acreditava em Deus, mas acabei me transformando em pouco tempo. Eu me conheci aqui e não acredito que nada de ruim possa vir de uma pessoa tão iluminada;, afirmou.
Contra a maré dos admiradores, o comerciante Ronaldo Dantas, 32, é enfático sobre João de Deus. ;Se ele fosse pobre, já estava preso;, garantiu. Morador da Paraíba, ele passa alguns dias em Abadiânia para vender suas mercadorias, meias, cintos, tapetes, entre outros produtos. ;Na rua dele, só amigos deles podem vender. A gente que não é empresário, que vende umas coisinhas para sobreviver, não pode nem andar na rua, porque os seguranças do João vêm e mandam a gente ir para outro lugar;, criticou.
O comerciante João da Costa, 43, está preocupado com o futuro do município. ;Antes dele, Abadiânia tinha quatro táxis, hoje são mais de 80. Todo mundo aqui depende dele, querendo ou não. Não existem provas de nada contra João de Deus. Isso tudo é um absurdo;, ressaltou.
João de Deus não mora em Abadiânia. Ele vive em uma casa em um condomínio luxuoso de Goiânia. Durante o fim de semana, o médium não esteve na Casa Dom Inácio de Loyola. A expectativa é de que ele retorne ao local na próxima quarta-feira, dia de atendimentos espirituais.