A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente da República deixou a comunidade LGBT apreensiva quanto à possibilidade de o direito ao casamento homoafetivo ser revogado no país. Especialistas ouvidos pelo Correio, no entanto, não acreditam que esse risco exista.
Segundo eles, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ; regulamentado pela resolução n; 175 de 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ; não pode ser revogado pelo presidente da República. E um projeto de lei que tentasse acabar com o direito seria, quase certamente, considerado inconstitucional caso seguisse adiante no Congresso e fosse aprovado.
"É um direito garantido. Nenhum presidente consegue reverter uma decisão que passou pelo STF", afirma o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Henrique Viegas de Lima. "Quando se conquista um direito, é muito difícil reverter. Só em um Estado de exceção, e nós não estamos em um Estado de exceção", acrescenta.
O docente, que também trabalha como registrador civil, explica ainda que, se fosse possível revogar a decisão, isso criaria uma brecha jurídica em relação aos casamentos que já foram realizados: "Só neste ano, eu já fiz uns 20. O que eu faria com esses 20? Diria que eles são nulos?".
Assinada pelo então ministro do STF Joaquim Barbosa, em 14 de maio de 2013, a resolução do CNJ (leia a íntegra abaixo) afirma que "é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo".
O professor Eduardo Tomasevicius Filho, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), lembra que o STF reconheceu, em duas oportunidades, o direito de pessoas do mesmo sexo assinarem um contrato de união estável. "A Constituição Federal diz que se deve facilitar a conversão de união estável em casamento", detalha. Foi a partir dessas decisões que o CNJ editou a resolução que regulamenta o casamento homoafetivo.
Projeto de Lei
A única maneira de se reverter isso seria, segundo os especialistas, por meio de um improvável Projeto de Lei no Congresso Nacional. "Seria uma lei ordinária revogando uma decisão de outro poder", avalia Tomasevicius. "Seria necessário mudar o Código Civil, que já não permite o casamento homoafetivo [novamente, ele é regulado por uma resolução do CNJ] para proibir isso de forma expressa.
Além disso, afirma o professor, tal projeto, se aprovado e sancionado pelo presidente, seria quase certamente julgado inconstitucional, porque já existir precedente. "Mesmo que se queira revogar esse direito, hoje é juridicamente impossível. O mais provável é que se altere o Código Civil para deixá-lo compatível com o que já acontece há uma década", arremata o professor.
Além disso, afirma o professor, tal projeto, se aprovado e sancionado pelo presidente, seria quase certamente julgado inconstitucional, porque já existir precedente. "Mesmo que se queira revogar esse direito, hoje é juridicamente impossível. O mais provável é que se altere o Código Civil para deixá-lo compatível com o que já acontece há uma década", arremata o professor.
Confira a resolução do CNJ na íntegra:
"Resolução n; 175, de 14 de maio de 2013
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,
CONSIDERANDO a decisão do plenário do Conselho Nacional de Justiça, tomada no julgamento do Ato Normativo no 0002626-65.2013.2.00.0000, na 169; Sessão Ordinária, realizada em 14 de maio de 2013;
CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, nos acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo;
CONSIDERANDO que as referidas decisões foram proferidas com eficácia vinculante à administração pública e aos demais órgãos do Poder Judiciário;
CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 1.183.378/RS, decidiu inexistir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo;
CONSIDERANDO a competência do Conselho Nacional de Justiça, prevista no art. 103-B, da Constituição Federal de 1988;
RESOLVE:
Art. 1; É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Art. 2; A recusa prevista no artigo 1; implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.
Art. 3; Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro Joaquim Barbosa"