Importantes partes da história brasileira e mundial pegaram fogo junto com o Museu Nacional, no Rio, em 2 de setembro. A tragédia repercutiu não só no Brasil como no mundo pela perda imensurável das riquezas e estudos lá existentes. Dois artigos publicados na edição de hoje da revista científica Science reforçam que o que aconteceu no museu poderia ter sido evitado, caso houvesse maior investimento na área.
O primeiro, intitulado Falta de apoio à ciência desaponta o Brasil, é uma carta assinada por 21 pesquisadores que afirmam que o fogo que consumiu os arquivos históricos é uma metáfora do estado atual da ciência no país. ;Os líderes de todos os níveis não conseguiram fornecer nem mesmo a infraestrutura mais básica e crucial para preservar coleções genuinamente inestimáveis e recursos culturais;, diz um trecho.
Os autores, ligados à Universidade Cornell, Universidade da Flórida e à Academia de Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos, e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmam que o país deve refletir e investir na proteção dos museus e coleções para o benefício da ciência e da sociedade em todo o mundo. Eles reclamam, ainda, da queda no financiamento do museu nos últimos cinco anos e da falta de investimentos em reformas, segurança e proteção.
Ao Correio, a professora de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Cornell, nos EUA, Kelly Zamudio, uma das autoras da carta, ressaltou que as consequências do incêndio não são apenas nacionais, mas mundiais. ;Essa perda é enorme para o mundo. As coleções biológicas perdidas representaram um grande registro de biodiversidade em insetos, moluscos e outros grupos. Esse é um registro que ninguém mais estuda. Os artefatos antropológicos e culturais também são insubstituíveis e servem basicamente para registrar a história da nação. Esses são aspectos da história natural e da cultura de que todos se beneficiaram, não apenas os brasileiros;.
Para evitar problemas semelhantes, ela aponta que é preciso haver um investimento sério em infraestrutura e curadoria de coleções. ;Como mencionamos na carta, este é o terceiro caso de museu incendiado em uma década, e muitos desses casos envolveram infraestrutura insuficiente para prevenir incêndios;, relata. Antes do Museu Nacional, que guardava o acervo mais importante da história do país, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, foi completamente destruído em 2015. Em 2010, pesquisadores lamentaram o sumiço de 80 mil espécies conservadas depois do fogo no Instituto Butantan, em 2010.
O segundo artigo, Brasil em crise, é assinado pela professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) Beatriz Barbuy. Ela afirma que o incêndio ;foi um trágico lembrete para o Brasil e para o resto do mundo de como é importante para as sociedades apoiar instituições e empreendimentos que preservam e promovem a ciência e a cultura;, e observou que as próximas eleições são uma oportunidade para o Brasil priorizar a ciência. O orçamento atual do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) é de apenas 40% do que em 2010.
Outro aspecto levantado por ela é a suspensão de ingresso do país no European Southern Observatory (ESO), em março, com a decisão do governo de não pagar a taxa de adesão. O pagamento de 270 milhões de euros em 10 anos foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2015, mas não ratificado pelo governo, o que nunca chegou a ser feito. ;Isso impediu o acesso do Brasil ao maior e mais completo observatório do mundo, localizado na América do Sul;, relatou. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (Sbpc), Ildeu Moreira concorda com a carta. ;A metáfora citada pela publicação corresponde à nossa realidade. Espero que essa destruição não se estenda para outras áreas da ciência brasileira. Estamos preocupados.;