Jornal Correio Braziliense

Brasil

'É como a destruição do museu de Berlim na 2ª Guerra', diz Bruno David

Presidente do Museu Nacional de História Natural de Paris, Bruno David, diz que Museu Nacional do Rio de Janeiro pertence ao mesmo clube dos grandes museus do mundo

Como o Rio de Janeiro, Paris tem um Museu Nacional, e ele também é dedicado à história natural. A dimensão das duas instituições diferia em número de itens - 70 mil no caso francês, 20 mil no brasileiro -, mas de acordo com o próprio presidente do Museu Nacional de História Natural de Paris, Bruno David, ambos pertenciam ao mesmo clube dos grandes museus do mundo.

A diferença, hoje, é que o brasileiro praticamente não existe mais. Biólogo pesquisador, amante das ciências, David diz sentir a perda do acervo carioca como um brasileiro.

A seguir, a síntese da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.

O senhor disse considerar o valor do Museu Nacional de Rio "infinito" e "inestimável". Qual foi sua reação ao tomar conhecimento do incêndio?

Soube pela imprensa que o museu havia incendiado e reagi com estupefação.

[SAIBAMAIS]Na Unesco, Ieng Srong, chefe da Seção de Patrimônio Mobiliário da organização, disse considerar a perda a pior desde os estragos produzidos pela guerra da Síria à cidade histórica de Palmira. Qual sua avaliação?

Faço a mesma análise. Mas para mim a destruição do Museu Nacional me evoca a destruição de Berlim e do Museu de Berlim durante a 2.; Guerra Mundial. Em Berlim, as circunstâncias foram radicalmente diferentes, mas em termos de perda podemos comparar. No caso do Rio, foi uma estupidez. É isso que me deixa indignado, porque é algo que poderia ter sido evitado.

O senhor considera a perda do crânio de Luzia como um exemplo maior do irreparável no incêndio do Museu do Rio?

Sim, porque esse era o mais antigo homo sapiens encontrado na América do Sul. São peças emblemáticas da história de um território, que contam o que aconteceu com a espécie, que contam a chegada do Homo sapiens na América do Sul. Esse era o traço da colonização do território pelo homem, um traço inestimável que simplesmente desapareceu.


A destruição de um museu toca toda a comunidade, porque a perda de memória cria um impacto social, certo? É isso que explica a revolta dos brasileiros nesse momento?

É absolutamente isso. Eu estou muito revoltado pelos brasileiros, porque sei o tamanho do impacto cultural. É uma parte de sua memória que foi apagada. É como se sua casa pegasse fogo, e a história de sua família, em fotos, fosse perdida. É um pouco isso, mas na escala de um país. O prédio pode ser reconstruído, mas seu conteúdo não será reconstruído como era.



O senhor mencionou a questão do investimento, ou da falta de investimento no museu, como origem da tragédia.

Eu não sou brasileiro, e não conheço as circunstâncias exatas. Mas busquei informações e sei que os cortes orçamentários causaram uma tensão no financiamento do museu, que estava sob alta pressão. Mesmo os meios elementares de segurança do local não foram garantidos. Quando chegamos a esse ponto, não estamos ao abrigo de uma catástrofe.

A seu ver, o nível de investimento em cultura por parte de um país tem relação com a apreciação que a sociedade faz da cultura?

Completamente. A maneira como uma sociedade mergulha no seu passado, se interessa e aceita suas raízes, traduz-se pelos investimentos em cultura em geral. Isso depende das sociedades, do que consideramos cultura, se incluímos a história natural nesse critério - a meu ver, sim. Faz parte do patrimônio de um território. Para mim, o Museu Nacional de História Natural de Paris é tão importante quanto o Louvre, em termos de patrimônio e de arquivo histórico. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.