(Escrito na noite de domingo, 2 de setembro de 2018, às 22h, Rio de Janeiro)
Não sei se o que está ocorrendo hoje, agora, pouco distante daqui, sempre ocorreu ou vem ocorrendo há cerca de 200 anos. Bem verdade que a ideia de conservação do patrimônio aperfeiçoou-se há algum tempo, e a tecnologia permite, com certo cuidado, evitar os desastres. Mas o Museu da Quinta, como é mais conhecido, mostrou sinais sérios de vulnerabilidade há muitos anos. Em algumas obras realizadas, com verbas limitadas ; é provável ;, não deve ter havido a instalação do que se exige para a prevenção, o combate e o cerceamento imediatos dos sinistros. As perícias, no que restar, deverão apontar o que de fato ocorreu... Críticas inevitáveis, justas, tristonhas ou com o ranger de dentes da revolta.
Além de todas as reações, das lágrimas às expressões grosseiras, vi destruída parte das minhas infância e adolescência. Olho uma foto que tirei ao lado de dois grandes amigos, nos anos 1950, o museu ao fundo, e nossos olhos cravados no futuro. Um dos amigos já nos deixou, o outro ; para nossa, minha sorte ; mantém firme a saúde e a amizade, ligando nossas famílias. Inevitável lembrar as visitas aos espaços já centenários, para ver nobres egípcios em suas milenares roupagens fúnebres, nossos índios um tanto edulcorados pela finesse da arte acadêmica, joias que nos ofuscavam com seus desenhos, salientes ornatos e molduras nos tetos alcançados pela habilidade do tromp l;oeil. A lasca metálica vinda do infinito, o robusto Bendengó, batizado pela doçura baiana.
Mais do que descobrir culpados (responsáveis?) será fundamental assumir uma "política da vergonha". Não houve vítimas humanas. Apenas carbonizadas nossas almas brasileiras.
*Helio Brasil é arquiteto e escritor carioca