Com isso, a violência do trânsito provocou um impacto econômico de R$ 199 bilhões no ano passado, ou 3,04% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. O valor corresponde ao que seria gerado pelo trabalho das vítimas, caso não tivessem se acidentado, segundo dados do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (Cpes), órgão da Escola Nacional de Seguros. O fator que mede a perda da capacidade produtiva é chamado de Valor Estatístico da Vida (VEV), ou seja, o quanto cada brasileiro é capaz de produzir em vida.
De acordo com os dados do DPVAT, o número de mortes em 2017 seguiu na contramão das estatísticas totais com cobertura do seguro, que registra apenas os casos com óbitos e sequelas permanentes. Nos últimos três anos, o volume de acidentes caiu pela metade, saindo de 763,4 mil em 2014 para 384 mil no ano passado.
A explicação, para especialistas, é que a última recessão econômica afetou as vendas e reduziu o fluxo de automóveis nas ruas - o que colaborou para a redução dos acidentes. Com menos dinheiro no bolso, o brasileiro inflou a frota de motocicletas, mais baratas e, ao mesmo tempo, mais vulneráveis.
Assim, ao longo do ano passado, 90,5% das vítimas do trânsito estavam na fase economicamente ativa e mais de 74% dos acidentes envolveram motocicletas, fazendo com que 59% dos acidentados fossem os próprios condutores. "Nossa experiência nesse ramo aponta que a moto, quando envolvida em um acidente, tem potencial de gravidade maior e, algumas vezes, as cidades não estão preparadas para lidar com a expansão desse modal", aponta o superintendente de Sinistros da Seguradora Líder, Arthur Fróes, responsável pelo DPVAT.
O professor Carlos Alberto Bandeira Guimarães, do Departamento de Transportes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda. Para ele, a questão também envolve a falta de fiscalização. "Nas cidades do interior, nos Estados do Norte e Nordeste, é comum ver cenas de pessoas dirigindo motocicleta de chinelos, sem capacete, às vezes até sem documento de habilitação", afirma.
O especialista aponta que as maiores variações observadas nos acidentes de 2017, em comparação com o ano anterior, foram no Nordeste e no Centro-Oeste, com alta de 30% no número de casos fatais ou com invalidez permanente. A Região Sudeste apresentou um crescimento de 23%, com destaque para dois Estados - Rio de Janeiro (34%) e São Paulo (20%).
"A motocicleta, apesar de passar a imagem de ser um veículo mais simples, exige a carteira A e, na realidade, demanda muito mais técnica para ser conduzida. Mas é comum ver moto passando entre os corredores de carros, cruzando passarelas de pedestre, na contramão. E um acidente leve de motocicleta pode ter consequências graves. Não tem medidas (obras viárias) que resolvam isso."
Diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Dirceu Rodrigues Alves destaca que essa falta de fiscalização acontece em áreas com uma alta densidade de motos. "Temos aí a facilidade da aquisição dessas motocicletas. É um veículo mais barato, de grande mobilidade e muita utilidade em várias áreas: de tocar o gado a fazer comércio. E há oferta muito grande nessas regiões (Norte, Nordeste e Centro-Oeste)."
Garupa
No Recife, a técnica em enfermagem Maria Augusta Bezerros, de 26 anos, conhece bem a história. Em junho do ano passado, ela saía de uma festa na garupa do então marido quando passaram em um cruzamento com o semáforo amarelo. Um carro em alta velocidade bateu na lateral da moto.
Maria Augusta passou três meses no hospital e ainda hoje sofre com as consequências do acidente. "Quebrei a tíbia, a fíbula e fiquei com sequelas: tendinite, artrite, artrose, derrame na circulação e um pequeno cisto no tornozelo esquerdo", conta. A pernambucana recebeu R$ 4,5 mil do seguro DPVAT. Atualmente, impossibilitada de trabalhar, recebe auxílio-doença e, segundo ela, o laudo médico pede aposentadoria por invalidez.
"A motocicleta, que é a solução de muitos transtornos no trânsito, está tirando de circulação uma boa parte da população economicamente ativa", afirma a economista do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (Cpes) Natália Oliveira. "Ainda não temos uma consciência para a utilização desse veículo. Faltam educação, fiscalização e respeito", diz.
Segundo estudo do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), o País tinha 13,2 milhões de motos em circulação no ano passado, 39% mais que há oito anos, em 2009.
Procurado, o Ministério da Cidades não se pronunciou sobre o estudo.