O artista circense Pablo Dias Bessa Martins, um dos 159 presos no dia 7 último em operação policial contra a milícia Liga da Justiça durante um show de pagode em um sítio em Campo Grande, no Rio de Janeiro, pediu hoje (22), em entrevista coletiva, que a justiça seja feita e que as autoridades liberem outros inocentes que continuam no presídio de Bangu 9.
;Injustiça é uma palavra muito forte e isso foi cometido com a gente;, desabafou. Assistido pela Defensoria Pública do Estado (DPE), Martins conseguiu a reversão da prisão preventiva na sexta-feira (20/4), decisão publicada pela 2; Vara Criminal de Santa Cruz. Ele tem viagem de trabalho para Estocolmo, na Suécia, marcada para terça-feira (24/4).
Na coletiva organizada pela DPE, o artista explicou que passaria apenas alguns dias no Rio com a família e a esposa sugeriu que fossem ao show para se divertir. ;Foi um show divulgado por rádio, Facebook e WhatsApp, como muitos outros shows. Poderia ser no Maracanã, mas foi no sítio. Consegui duas cortesias com o DJ que era meu amigo, e comprei um ingresso para minha irmã. Era um show de pagode, fui curtir como todos os outros amigos meus;, disse.
Quando começou a operação e tiros foram ouvidos, Martins disse que se deitou no chão com a esposa e obedeceu a todos os procedimentos ditados pela polícia, ficando com a cabeça baixa o tempo todo.
;Só fui curtir com minha família e amigos. A ficha começou a cair [de que estava preso] quando passamos pelo procedimento na polícia mesmo, tirar foto de frente, de lado, tirar digital, nunca tinha passado por isso. Falaram que o motivo é que a gente estava participando de festa de miliciano. Eu posso afirmar que se tivesse miliciano eu não iria, ia me prejudicar no meio artístico;, afirmou.
O artista disse que, se tivesse visto alguém armado dentro da festa, como foi afirmado pela polícia, ;seria o primeiro a sair;. ;Tinha segurança revistando, se tivesse alguém armado teria sido pego na entrada;. Ele confessou ter medo de ser prejudicado no trabalho por causa da prisão.
;É complicado, uma coisa internacional, pode ir lá para fora e as pessoas entenderam de uma outra forma, pensarem que eu sou do meio miliciano e a minha companhia também. Foram as duas piores semanas da minha vida;, relatou.
Noite de terror
A mãe de outro preso na operação, Thiago Silva Vale, dona Elza Perez Silva do Vale, disse que o filho está desempregado, mas já trabalhou como garçom e gerente de restaurante. Relatou que Thiago a levou ao hospital na noite da festa, pois estava com a pressão alta, e que, na volta, pediu R$ 20 para ir ao show com um amigo. Durante a madrugada, ouviu o tiroteio e ficou sem notícias do filho até o dia seguinte, no que ela disse ter sido uma ;noite de terror;.
;Deu 9h e ele não chegava, liguei no celular e ele não atendia. Mexi no Facebook e vi um cara de capuz falando ;que tiro foi esse; na Rua Fernanda. Vi os comentários, corri pra rua, os amigos dele estavam todos lá. Perdi o chão naquela hora, não consegui falar com a minha filha. Corri pra rua e soube que o Thiago estava lá e foi preso; disse Elza.
Acrescenta que até o momento não pôde ver o filho e fez um apelo para que soltem os inocentes. ;A dor é tanta, a gente morre a cada dia, não sabe se ele está comendo, se está tendo uma água. Parece que você está vivendo um filme de terror. Tenho 57 anos de idade e nunca vi uma coisa dessas. Na Barra não tem evento? Por que em Santa Cruz não pode? É porque somos pobres? São trabalhadores que foram curtir o seu ídolo e houve nessa tragédia;.
Lorena Felix dos Santos trabalha para uma empresa de segurança e fez a revista nas mulheres no dia do show. Ela disse que, na entrada, era verificado o porte de armas de fogo e de entorpecentes e ninguém entrou armado no dia.
;É uma empresa terceirizada, sempre somos contratadas para trabalhar em eventos. Se era de milícia, por que contratar outra empresa, se eles são a segurança?;, pergunta.
O namorado de Lorena, Evandro Batista Monteiro, está entre os presos. O irmão dela, menor de idade, também foi detido, mas liberado junto com outros menores.
Defensoria
O defensor público geral do Estado do Rio de Janeiro, André Castro, explicou que o órgão entrou em ação ainda durante a madrugada do dia 7, quando muitas pessoas procuraram o plantão judiciário. Segundo ele, os depoimentos são contundentes e não há suporte de provas para manter as pessoas presas. ;Agora temos que provar que as pessoas são trabalhadoras e não têm envolvimento com a milícia.
A operação foi anunciada como sendo de inteligência, que prendeu uma reunião de milicianos. E essa versão tem sido mantida. Mas a partir da noite da prisão a Defensoria Pública, a imprensa, todos começaram a ver que não se encaixava na realidade. Temos aqui o panfleto do show, com ingresso vendido, tinha gente revistando na porta. É um show em uma comunidade, onde não há muita opção de lazer. A versão oficial não se sustenta;, afirmou ele.
A seguir, lembra que a audiência de custódia foi feita coletivamente de forma irregular, sem individualizar os casos, e sem garantir a presunção de inocência, o que, segundo disse, ;coloca a Constituição de cabeça para baixo;, numa ;situação Kafkiana;, dos presos ;não saberem nem de que crimes estão sendo acusados;.
;Não existe mais presunção de inocência, todos precisam provar que não são culpados. Nos surpreende como esse caso está sendo conduzido. A prisão de uma pessoa tem que ser feita por mandado judicial ou excepcionalmente uma prisão em flagrante. Mas não há sequer investigação sobre a grande maioria dessas pessoas presas em flagrante. Participar de um show não configura crime, portanto, não há motivação. A presunção de inocência foi rasgada;, sentenciou.
De acordo com o defensor João Gustavo Fernandes Dias, a defensoria está atendendo mais de 40 presos no caso e entrou com alguns pedidos de habeas corpus, mas não teve sucesso. Segundo ele, novos pedidos serão feitos e é preciso aguardar o encaminhamento da ação penal pelo Ministério Público, que pode arquivar o processo coletivamente, iniciar a ação penal coletiva ou individualizar o caso.