Ao sair de casa, Loanne vestia uma camiseta rosa, a cor do seu mundo até aquela terça-feira. A menina de cabelos loiros era alegre, amava a simplicidade da vida na zona rural da cidade goiana de Pirenópolis, a 140km da capital federal. O rosa se transformou em vermelho sangue naquela tarde de 17 de dezembro de 2013, quando um tubo de dinamite foi amarrado no corpo de Loanne e explodiu. O autor da covardia: o padrasto, que se matou abraçado à enteada.
Segundo a polícia, Joaquim sentia uma paixão secreta e doentia por Loanne. A história da tragédia, entretanto, começou 10 anos antes. Quando a menina completou sete anos, os pais biológicos decidiram se separar. Dois anos depois, a mãe, Sandra Rodrigues da Silva, conheceu o garimpeiro Joaquim Lourenço da Luz. Depois de um curto período de namoro, o casal decidiu morar junto. Joaquim tratava Loanne e o irmão mais novo, Luan, como filhos, segundo a família. Mas a menina era o xodó. Dizia ser a ;lourinha, o anjinho da casa;. O garimpeiro tinha dois filhos de outro casamento, aos quais não dedicava a mesma atenção.
Na sala do Instituto Médico Legal (IML), um dia depois da explosão do dinamite, Sandra parecia não acreditar na tragédia que estava vivendo. Lembrava-se da filha alegre quando se despediram com um beijo e a última frase dita por ela ainda ecoava: ;Mãe, te amo de montão;. Uma voz interrompeu os pensamentos. ;Senhora, aqui estão os pertences que recuperamos do corpo de sua filha;. Sandra queria levar Loanne, mas deixaria o IML apenas com um saquinho com um colar de ouro com um pingente de cavalo, um anel e um piercing.
No ano anterior ao ato covarde do padrasto, Loanne Rodrigues da Silva Costa realizou o sonho de entrar para a faculdade de enfermagem, em Anápolis, a 60km de casa. Dizia que queria salvar vidas. Nas horas vagas, passou a frequentar academias e montar a cavalo. A cowgirl que usava chapéu e botas, participava de cavalhadas e curtia música sertaneja. Aos 18 anos, nos fins de semana, trabalhava como monitora da área infantil em uma pousada de Pirenópolis.
Loanne, como qualquer menina da sua idade, frequentava algumas festas. ;Com sua beleza, poderia ter o homem que quisesse;, disse a amiga Darleny de Abreu Afonso, 23 anos, que cursou faculdade com ela. A essa altura, o ciúme de Joaquim ultrapassava o limite. Não gostava que ela conversasse com homens. Controlava a hora de voltar e a esperava acordado. Em outros casos, ia atrás dela em festas e ligava constantemente. A família, entretanto, achava que se tratava apenas de um cuidado carinhoso.
Apenas uma vez Sandra estranhou a relação com Joaquim, mas logo esqueceu. ;Um namorado de quem ela gostava muito terminou do nada. Minha filha chegou em casa muito triste e me pediu para ligar para ele e perguntar o motivo. ;O problema é o padrasto dela. Por isso resolvi me afastar; disse ele, sem dar maiores detalhes;, afirmou Sandra, que acabou relevando a reclamação do garoto, mais uma vez acreditando que tudo não passava de um cuidado de Joaquim.
Em maio de 2012, ao chegar em casa de madrugada após a Festa do Divino, enquanto trancava o portão, Loanne levou uma forte pancada na cabeça. Estava escuro, mas deu para notar a quantidade de sangue que jorrava. Caiu no chão e gritou por socorro. Quem apareceu na porta foi o padrasto. A mãe dormia no sofá, mas em seguida acordou com os gritos do marido que a chamava. Tentou saber da filha o que tinha acontecido, mas ela não sabia explicar. Não sabia quem era o agressor.
No hospital, enquanto levava 37 pontos na cabeça, tentava repassar a história mentalmente. Achou estranho, pois não tinha inimigos. Ninguém teria motivos para fazer aquilo com ela, se considerava uma boa pessoa. Durante o ataque, se lembrou de que os cachorros não haviam latido. E eles sempre latiam por qualquer coisa. Mas decidiu não tocar mais no assunto. A cabeça doía muito. Os dois dedos quebrados ao tentar se defender do golpe, também.
Um ano após o ocorrido, no fim de 2013, Loanne passou a receber bilhetes com ameaças. ;Você tem sorte de não ter morrido. Desta vez, seu padrasto maldito não estará por perto para te proteger. O inferno te espera. Seu dia chegará;, dizia um deles. Preocupada, a família registrou um boletim de ocorrência, mas assim como da última vez, não havia suspeitos. Após a morte de Loanne e Joaquim, a polícia enfim descobriria o autor da agressão e dos bilhetes ameaçadores. Joaquim estava por trás de tudo.
O morro
Em 17 de dezembro daquele ano, o padrasto de Loanne pediu que ela o acompanhasse até o Morro do Frota, uma montanha de mata fechada que fica a 10km do centro da cidade. Queria tirar fotos para postar em uma rede social. A menina não queria ir, mas como haviam combinado há algum tempo, cedeu. Tomou banho, passou maquiagem, fez escova. Antes de deixar a casa, pediu à mãe que marcasse um salão, pois queria cortar as pontas dos cabelos.
Dentro do caixão, os cabelos de sua filha estavam molhados, sujos de terra e folhas. Loanne não sabia, mas naquela tarde não teria mais tempo de ir ao salão.
20 poses
No Morro seria rápido, voltariam antes do anoitecer. Sandra os levou de carro por volta das 15h. Durante o caminho, fizeram planos de ir a Anápolis para as compras de Natal durante a semana. Quando chegaram, se despediram. Tinham um longo caminho a percorrer até chegar ao local desejado. O prêmio é a vista do alto da cidade. De lá, Pirenópolis se transforma em verde e em um misto de pequenas construções. ;Volto em uma hora. Se terminarem antes, me liguem;, disse a mãe.
Após cerca de 50 minutos, Sandra recebeu uma ligação de Loanne, avisando que haviam chegado ao local. A câmera já contava com 20 poses, todas de Joaquim. Loanne sentiu sede. O padrasto ofereceu água. Foi o último contato. Quarenta e cinco minutos depois, Sandra ligou para a filha, mas não conseguiu sinal. Voltou ao local combinado e não os encontrou. Acionou a polícia. Policiais e bombeiros se espalharam pelo local e estenderam a procura até a primeira hora do dia 18. Chovia, o que dificultava ainda mais a visibilidade. Tiveram que suspender as buscas, mas retornaram no dia seguinte.
Pela manhã, o telefone de Sandra tocou. Ela olhou o visor. Não era ;Vida;, apelido pelo qual chamava sua menina. Atendeu.
Do outro lado da linha, a voz masculina avisava que os dois haviam sido encontrados. Mortos.
O corpo de Loanne foi descoberto em uma região de difícil acesso abaixo do morro. Estava no chão molhado, sob folhas e terra. As mãos e pernas amarradas por uma corda. A blusa rosa que vestia estava em frangalhos. Na região abdominal, havia um grande buraco, do qual saíam os órgãos.
O sangue agora de cor escura devido à perda de oxigenação, escorria pela boca. Havia queimaduras na barriga e nos braços. Em cima dela, face a face, estava o padrasto, 47 anos, com a boca amordaçada e amarrado a ela com um uma corrente no pé.
Também tinha um buraco na região da barriga, provocado pela explosão do tubo de dinamite. O rosto ficou parcialmente destruído. Um isqueiro vermelho utilizado para acender o pavio estava ao lado. Sem vestígio de abusos, os corpos não tinham sinais de luta ou arrastamento. Uma barraca e uma arma foram encontradas próximas da cena do crime.
O aposentado Joely Aparecido da Costa, 48 anos, pai de Loanne, conta que a encontrou um dia antes do crime. ;Estava alegre, brincalhona como sempre. Não sei de onde tirei forças. Sempre perguntei aos meus filhos se o padrasto era bom para eles. Ninguém esperava que ele fizesse isso. Ele dizia: ;Sua filha está chegando tarde, cuidado com ela;. Achava que era uma preocupação real, mas, depois disso, vi que fez isso com outras intenções;.
Investigação
Cerca de um ano após o crime, a polícia apontou o resultado final da investigação: o material da cena do crime pertencia à Joaquim. Ele planejou e assassinou Loanne utilizando um explosivo e, ao mesmo tempo, cometeu suicídio. O motivo seria a paixão doentia pela enteada, manifestada pelo excesso de ciúmes.
Joaquim pensou em tudo e, para a polícia, agiu de forma dissimulada preparando a cena do crime para ludibriar a investigação, para garantir seguro de vida feito dias antes do crime. Loanne não reagiu pois havia sido dopada por uma substância de nome Clonazepam misturada na água, o que facilitou a ação do padrasto. Ele também foi apontado como o agressor e autor dos bilhetes de ameaça.
A família do garimpeiro acredita que haja um terceiro envolvido no crime. Irmã de Joaquim, a dona de casa Josefa Santana Abadia, 46 anos, conta que, para a família, é doloroso relembrar o ocorrido. ;Ele era o penúltimo de seis irmãos, gostava de pescar, era brincalhão. Todo mundo gostava dele, e até hoje não me conformo. Não deu sinal algum. Minha mãe tinha 81 anos, mas, depois dessa tragédia, caiu de cama e, quatro meses depois, faleceu. Foi muito sofrimento para ela.;
A sobrinha Danúbia Cristina da Luz, 29 anos, relembra o tio como uma pessoa calma, mas ressaltou os ciúmes em relação à enteada. ;Nem com os filhos era assim. Era tudo para ela em primeiro lugar. Ela não podia sair, sempre tinha que estar perto, se ela demorasse, ele ficava ligando, querendo saber onde estava. Para mim, havia uma terceira pessoa.;
Lembranças
Quatro anos após o crime, Sandra mudou de endereço com o filho. Não aguentaram viver na mesma casa onde passaram tantos momentos felizes. Ainda aprendem a conviver com a ausência da cowgirl. Uma foto da moça fica na sala, ao lado da TV. Outras, ela pega para recordar. No quarto, um baú com os ursinhos que antes enfeitavam seu quarto.
;Nunca desconfiei desse tipo de intenção dele. Não gostava que ela conversasse com outros homens, mas, para mim, era um cuidado paternal, excesso de zelo. Preferia que tivesse feito comigo. Ela tinha a vida toda pela frente.;
Não há como saber o que os olhos de Loanne enxergaram pela última vez. A mãe diz que nunca terá a resposta. Há quem diga que ela foi morta sem saber. Sem saber da paixão do padrasto, sem saber que ia morrer.
Para o delegado Rodrigo Luiz Jayme, titular que ajudou no caso, Joaquim imaginava que, se Loanne não fosse dele, não seria de mais ninguém. ;Todas as evidências apontam para ele. Nutria um sentimento de possessividade, vigiava, tinha um ciúme exagerado. Na forma de morrer, abraçado a ela, demonstra o sentimento de passionalidade, tudo leva a crer que morreria com ela.;
No dia do enterro, a mãe fez questão que Loanne levasse junto com ela seu chapéu branco predileto. Caso pudesse voltar no tempo, Sandra confidencia que desejaria não ter conhecido Joaquim. Quem sabe assim sua filha ainda estivesse viva.