"Muitas mulheres próximas a mim e que eu não conheço, de todas as partes do Brasil, me mandaram mensagens contando que já sofreram assédio, mas não tiveram coragem de denunciar. Muita gente abraçou a causa e isso realmente me deixa muito feliz,; contou a estudante Paula Silva, em entrevista ao Estado de Minas.
A vítima, que registrou boletim de ocorrência na Polícia Militar, comemorava aniversário naquela noite com cerca de 60 amigos que foram à boate a convite dela. Segundo relato de Paula à PM e também compartilhado na internet, o assédio teria ocorrido por volta de 5h, quando ela foi ao bar do Night Market Rooftop buscar três garrafas de água mineral.
Ao solicitar as bebidas ao garçom, o funcionário pediu que a jovem lhe entregasse o cartão de consumação. No entanto, a vítima se confundiu e entregou um cartão de crédito. O garçom, então, explicou que era preciso encontrar o cartão da casa: sem ele, não era permitida a entrada dos clientes.
Ainda de acordo com a Polícia Militar, a jovem alegou ao funcionário que o cartão estava com o irmão dela, que o teria usado para pegar duas vodkas, brinde da boate a Paula pela comemoração do aniversário. Segundo ela, ;o homem falou para procurar direito que provavelmente estava na minha bolsa, ou então: ;aqui!' Foi o momento que esse infeliz enfiou dois dedos dentro da minha roupa tocando nos meus seios;, relatou a jovem, que alega ter ficado sem reação após ter sido assediada.
;Naquele momento por 10 segundos, congelei, não falei nada e virei as costas. Nessa fração de segundos, dei por mim do que havia acontecido! Fui assediada dentro de uma boate tão renomada em Belo Horizonte, o Night Market! Voltei e gritei com o garçom perguntando se ele tinha noção do que ele havia feito, e o mesmo apenas assustou e não me respondeu. Voltei a gritar e bater no balcão perguntando se ele seria homem de falar, e a única coisa que ouvi foi um: ;não fiz nada; em tom de total desespero!”
Quando a jovem começou a indagar o garçom, ela diz, segundo a PM, ter sido abordada por um homem que se identificou como o dono da boate. ;Não me deu suporte algum, pensando apenas na imagem do Night Market, alegando que a situação não aconteceu, me deixando exposta a um assédio sexual, logo uma situação gritante, grave e corriqueira que vem sendo tão debatida e pouco combatida.;
Paula pediu ao responsável pela boate para que ele a levasse à sala em que ficam os registros das câmeras de segurança para que ela mostrasse o ocorrido e registrasse a ocorrência. Quando ela solicitou as imagens, o homem deixou o local e foi verificar os registros, mas retornou minutos depois e disse que os vídeos estavam ;foscos; e que, por isso, não era possível enxergar o que ocorreu.
Ainda conforme a denúncia da vítima, o homem mudou a versão quando percebeu que outros clientes se incomodaram com a situação e alegou ;não ter visto nada nas câmeras que eram todas em HD;. De acordo com a vítima, seguranças da casa de show a orientaram a procurar uma delegacia.
Ela denuncia que, enquanto conversava com os seguranças, outros funcionários tiraram o garçom do balcão e levaram o homem para lugar inacessível aos clientes. A Polícia Militar foi acionada e conversou com o suposto dono da boate e conseguiu localizar o garçom e conduzi-lo à delegacia.
Todos os envolvidos foram encaminhados para o registro da ocorrência na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher.
Boate e garçom se defendem
Na versão do garçom W.F.C., de 24 anos, à polícia, a mulher se aproximou do balcão por volta das 5h para pedir as três garrafas de água. Foi o momento em que ela lhe entregou o cartão de crédito e ele informou que precisava do cartão entregue pela casa para registrar o pedido. "W.F.C. a orientou de que todos os clientes recebem o cartão e que talvez ela teria feito alguma confusão", consta no Boletim de Ocorrência. E, em seguida, afirmou que o cartão deveria estar em uma bolsa.
Ele alegou à PM que passou a atender outro cliente enquanto ela procurava o cartão. Após o distanciamento, de acordo com a versão dele, ela voltou para dizer "você tem noção do que fez?". O namorado da vítima chegou e os dois gritaram e começaram a insultá-lo, ainda segundo W.F.C. O namorado teria cuspido no garçom. Foi então que ele se retirou do local. "Ele fala que não entrou em qualquer contato físico", afirma o BO.
As imagens das câmeras de segurança não confirmaram a versão da jovem, de acordo com o gerente da casa M.R.B, de 29, que também compareceu à delegacia. Ele contou que estava em uma área próxima à cliente, mas que não presenciou o momento do atendimento. Ele foi chamado depois que a "confusão" começou. Foi então que a vítima solicitou que as as imagens do circuito interno de segurança fossem vistas.
Depois da repercussão do caso nas redes sociais, o Night Market Rooftop se posicionou, via Instagram. "Enfatizamos que repudiamos todo o tipo de violência, desrespeito e preconceito. Nossa história não condiz com nenhum ato de violência", informou.
Continua depois da publicidade
"Nossa cliente alega ter sido agredida por um colaborador, que nega as acusações. Todas as pessoas envolvidas direta e indiretamente foram ouvidas e o material de vídeo apresentado aos agentes competentes pela investigação. O atendente do bar está afastado de suas atividades até que o caso seja elucidado," diz a nota.
Inconformada, Paula pede que, ao sofrerem assédio, as mulheres denunciem o crime: ;Meninas, não se calem! Por mais maçante que seja o processo, a paz no coração de ter feito a nossa parte é a melhor recompensa. Estamos vivendo uma realidade assustadora onde um estabelecimento renomado não dá apoio algum a uma cliente que foi vítima de assédio sexual e tentam acobertar um criminoso,; desabafou.
A Polícia Civil foi procurada e informou que na noite da denúncia vítima e suspeito foram ouvidos. Ainda nesta semana, os envolvidos serão intimados e devem prestar depoimento. Segundo a corporação, as imagens das câmeras de segurança da boate serão solicitadas e anexadas ao inquérito.
Depois da denúncia
De acordo com Paula, uma mulher que se identificou como dona da boate ligou para a jovem na tarde desse domingo se solidarizando à denúncia de assédio. Porém, Paula salientou que a ligação "não muda nada" se a denúncia não for esclarecida e os responsáveis punidos. A vítima ainda diz que o contato foi uma "afronta, principalmente depois de contratarem um advogado para me acusar e do gerente ter ficado contra mim o tempo todo na delegacia," explicou.
Durante todo o registro do boletim de ocorrência, a vítima ficou separada do garçom e, segundo ela, o homem permaneceu de cabeça baixa no período em que permaneceram na delegacia. "Parece que ele não é um garçom, tem hora que eles (responsáveis pela boate) falam que é um freelancer, depois dizem que é um funcionário... eles mentem o tempo todo e mudam as versões," disse a estudante que não pretende mais frequentar a boate.
A reportagem entrou em contato com a mulher citada como proprietária do local, mas ela não quis dar entrevista.
* Sob supervisão do subeditor Fred Bottrel, do Estado de Minas