As nove mortes que ocorreram no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia no primeiro dia de 2018 revelam a falência do sistema prisional no Brasil. As tragédias ocorrem no momento em que o Plano Nacional de Segurança Pública completa um ano de seu lançamento.
Em janeiro do ano passado, um motim ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. O conflito provocou 56 mortes. Investigações posteriores apontaram que o confronto ocorreu entre integrantes do Sindicato Família do Norte e do Primeiro Comando Capital (PCC). Essa foi apenas a primeira de uma série de rebeliões que escancararam para a sociedade a guerra do narcotráfico nas prisões brasileiras. As cenas do massacre, fugas e a crueldade dos criminosos rodaram o mundo. Em 6 de janeiro, mais uma chacina deixou 31 detentos mortos na penitenciária agrícola de Monte Cristo, a maior do estado de Roraima. Diversos internos foram decapitados e esquartejados nos corredores da unidade.
[SAIBAMAIS]Exatamente um ano depois, no primeiro dia de 2018, internos da Ala C do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia invadiram outras três alas. Portando armas de fogo, barras de ferro, facas e até explosivos, os internos mataram nove presos e deixaram 14 feridos. Uma investigação do Serviço de Inteligência da Polícia Militar de Goiás apontou que a briga entre facções criminosas motivou o ataque. Na sequência, mesmo com os olhos da sociedade voltados para a capital goiana, dois motins ocorreram na mesma unidade. Rebeliões também foram realizadas no Centro de Inserção Social (CIS) de Luziânia e no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia.
Nos últimos 12 meses, o plano de segurança lançado pelo Ministério da Justiça como resposta para as primeiras rebeliões foi engavetado. Promessas que previam o aumento do contingente da Força Nacional, lançamento de um sistema nacional de vigilância por câmeras e controle da entrada de armas pelas fronteiras foram abandonadas. O especialista Cássio Tione, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que os últimos acontecimentos dão sinais claros de que a situação tende a piorar. ;Nenhuma das diretrizes criadas pelo plano foi implantada do ponto de vista de uma ação concreta. O próprio ministro falava de integração, cooperação e colaboração. Mas não vimos os objetivos do plano serem colocados em prática. A situação da dominação das facções nos presídios não está resolvida e as mortes continuam aumentando;, afirma.
O programa que prometia revolucionar o combate ao crime foi apresentado pelo então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Ele deixou o cargo após ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal (STF). Após a gestão de Moraes, quem assumiu foi o deputado Osmar Serraglio, que ficou apenas dois meses no cargo. O parlamentar deu lugar ao atual ministro, Torquato Jardim, que ao ser empossado destacou a intenção de dar continuidade ao plano apresentado pelo seu antecessor. Procurada pela reportagem, a pasta não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Entre as propostas estava o chamado ;DNA das armas;. A intenção era de mapear os locais de entrada e criar um banco de dados com o cadastro do armamento que circula no país. A Polícia Federal produziu um relatório indicando os pontos mais críticos da segurança, como é o caso da tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu, no Paraná. No entanto, o levantamento ocorreu por iniciativa da própria corporação.
Superlotação
Dois estudos independentes, realizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que o sistema penitenciário nacional está se deteriorando a cada ano. A população carcerária chegou a 726 mil no ano passado. A auditoria do TCU, divulgada há poucos dias, apontou que 18 estados brasileiros registram superlotação nos presídios.
A situação pode ser ainda pior, já que essa foi exatamente a quantidade de unidades da federação avaliadas. As unidades com excesso de detentos favorecem a atuação e expansão de facções criminosas. Isso ocorre por conta da dificuldade em separar presos provisórios dos definitivos, o que permite que pessoas que ainda não foram julgadas sejam cooptadas pelo crime.
O auditor Daniel Cubas Ferreira, que integrou o grupo do TCU que realizou o estudo, afirma que é necessária uma integração entre os diversos órgãos públicos do setor. ;A facção atua quando o Estado deixa de fazer seu papel. O sistema prisional é muito complexo e não funciona somente com o presídio. Envolve a polícia, Defensoria Pública, Ministério Público, a Justiça e a penitenciária. Mas esses atores não agem de forma integrada. Esses órgãos nem se quer sabem quem são e em quais situações essas pessoas estão presas;, afirma. Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça não se manifestou.
Combate
Na iminência do aumento dos casos de homicídio e feminicídio, o governo lançou a promessa da criação de grupos especializados no combate a esses delitos. A intenção era fortalecer operações policiais, a investigação e atuação do Ministério Público. Um dos pontos mais críticos apontados pelos especialistas era a cidade do Rio de Janeiro, onde comunidades inteiras foram dominadas pelo tráfico de drogas. A promessa não saiu do papel.
O ano de 2017 foi o mais sangrento para a PM carioca. Em dezembro, a corporação contabilizou a morte de 130 policiais. O número de civis mortos passou de 1 mil em maio e pode ter superado os 3 mil até o final do ano. Os dados são levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em todo o país, os crimes contra a vida produzem números de guerra. Em 2016, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 61 mil mortes intencionais, frente a 59 mil de 2015.