O trabalhador rural Paulo Pereira dos Santos, de 28 anos, se preparava para dar um presente para o filho no Dia das Crianças, mas não poderá mais agradar à criança. Amanhã, pretende comparecer ao Cemitério São Lucas, em Janaúba, Norte de Minas, onde está sepultado o corpo do garoto Juan Pablo Cruz dos Santos, de 4 anos, e de outras oito crianças que morreram queimadas no massacre da creche Gente Inocente, que também deixou uma professora e o próprio autor da tragédia mortos.
O vigia Damião Soares Santos, de 50 anos, ateou fogo a alunos e depois ao próprio corpo. ;Vou ao cemitério para acender uma velinha para meu filho, como se estivesse abraçando ele;, murmura Paulo. Na semana que era para ser de festa e alegria, restou aos familiares das vítimas o luto, já que a crueldade praticada contra as crianças não sai da cabeça de ninguém. A tragédia aumenta ainda mais o sofrimento de um povo assolado pela seca, que já é considerada a pior da história de Janaúba, onde desde fevereiro não chove de forma significativa.
[SAIBAMAIS]Na cabeça do lavrador Paulo, a ideia era dar um presente para o filho nesta semana, porque ele já teria o pagamento em mãos. O pequeno completou 4 anos em 9 de setembro, mas, como a família é bastante humilde, não foi possível preparar nada no início do mês passado. As comemorações ficariam para o Dia das Crianças. A mãe de Juan, Ana Paula da Rosa Cruz, de 20, pensou em fazer um bolo para o filho. ;Esta Semana da Criança para mim está sendo terrível, pois meu filho foi morto e queimado. Eu iria aproveitar o dia para fazer um bolinho para ele, mas veio um monstro e acabou com tudo;, lamenta.
Juan Pablo estava muito feliz, porque, no dia anterior à tragédia, pela primeira vez ele foi a uma piscina. Em comemoração à Semana da Criança, a escola promoveu uma série de atividades. Como parte delas, na quarta-feira os alunos foram brincar no Clube Caiçara. ;Eu comprei para ele biscoito, pipoca e também uma sunga. Ele estava muito feliz por ter conhecido o clube. E ficou contando como foi o passeio;, lembra a mãe. A dor da família é ainda maior porque a tragédia também tirou a vida de Renan Nicolas dos Santos Silva, de 4, primo de Juan Pablo.
A família é carente, mora no Bairro Santa Terezinha, que fica a cinco quilômetros da área urbana. Todos os dias, Ana Paula saía de bicicleta e levava o filho à creche, ritual que cumpriu normalmente naquela manhã de 5 de outubro. O pai saiu para trabalhar na roça, em uma plantação de bananas. De lá, tomou conhecimento da tragédia e se deslocou para a creche, onde ficou sabendo que seu filho estava no hospital. Por volta do meio-dia, foi informado de que o menino tinha morrido. Ana Paula está grávida do segundo filho e Paulo pensa em batizá-lo fazendo homenagem ao garoto vítima do massacre.
Entre a dor e a esperança
Dor parecida em uma data que deveria ser marcada pela alegria é compartilhada por Sebastiana Maria de Jesus, de 56. Ela disse que vive uma mistura de sofrimento e alívio, porque quatro netos estavam matriculados na creche. A pequena Ana Clara Ferreira Silva, de 4, morreu. Jhulie Mariah Ferreira da Silva, de 3, segue internada no CTI neonatal do Hospital Universitário Clemente de Faria, em Montes Claros, e respira com a ajuda de aparelhos. Ludmila Cristine Ferreira da Silva, de 6, teve alta do mesmo hospital e o outro neto, Victor Hugo Ferreira da Silva, de 4, acordou com conjuntivite e não foi à creche na última quinta-feira. ;Isso foi livramento de Deus. Se ele tivesse ido, teria acontecido com ele igual ao que foi com os outros;, disse Sebastiana, que é mãe de Nelci de Jesus Silva, pai dos quatro irmãos, casado com Luana Ferreira de Jesus, de 28.
;Esta Semana da Criança está sendo muito triste. É como se nem existisse.; O desabafo é da aposentada Ilda Maria da Conceição Rodrigues, de 62, avó do menino Luiz Davi Carlos Rodrigues, de 4, outra criança que morreu. ;Esses dias estão sendo péssimos;, acrescenta Dilcivania da Conceição Rodrigues, tia de Luiz Davi. A avó afirma que a memória do neto não sai da sua cabeça. ;Ele era o xodó da nossa casa;, diz, lembrando-se da felicidade do neto com o passeio ao clube no dia anterior, onde pela primeira vez brincou em um escorregador.
Os momentos de angústia e tristeza também são relatados por Elenilsa Merelo Martins, que era professora da maioria das crianças que morreram. ;A Semana da Criança seria marcada por muitas alegrias e acabou se tornando uma semana de tristeza imensa, de muita dor;, diz a professora. Na véspera do ataque, as crianças estavam muito felizes, porque a creche programou uma semana só de comemorações. Na segunda-feira houve um lanche reforçado.
Terça foi o dia do sorvete, quarta teve passeio no clube e a quinta seria mais um dia de brincadeiras, com pula-pula, cama elástica, piscina de bolinhas e bolo de chocolate, coisas que para aquelas crianças são muito importantes, já que a maioria vem de famílias muito simples. Embora entidades de voluntários programem comemorações para os pequenos que sobreviveram, na tentativa de amenizar a dor e o sofrimento, a Semana da Criança de 2017 será uma data que dificilmente sairá da memória de Janaúba como uma das épocas mais tristes de sua história.
Planos desfeitos e vigília no hospital
A mesma sensação de abatimento que recai sobre Janaúba na Semana da Criança percorreu os 557 quilômetros que separam a cidade de Belo Horizonte, onde 11 meninos e meninas e duas professoras seguem em tratamento em três hospitais. Desde sexta-feira, a empregada doméstica Gabriela Silva Souza, de 20 anos, dorme em uma poltrona ao lado do filho, Arthur Souza Oliveira, de 2, que chegou a BH transferido para o Hospital João XXIII, mas mudou de unidade pela segunda vez, fazendo a maior parte do tratamento no Hospital Odilon Behrens.
O motivo de ela ficar 24 horas ao lado do filho é que ele pergunta por ela e pelo pai o tempo todo. Por isso a mãe foi orientada a ficar, para acalmar a criança. ;Ele vai passar o Dia das Crianças aqui no hospital e isso me deixa muito triste. Ele queria muito ganhar um brinquedo e ter uma festinha, mas não vou poder fazer, porque não tenho condições. Tinha planejado comprar um carrinho que ele sempre me pediu, mas não vai dar;, afirma Gabriela.
Como gastou um dinheiro que não estava previsto no deslocamento entre Montes Claros e Belo Horizonte, Gabriela ficou sem recursos para fazer a vontade do filho, que deve ter alta nos próximos dias, mas ainda apresenta uma mancha no pulmão em virtude da inalação da fumaça no incêndio. ;O Arthur teve dois delírios, falando que o fogo vai pegar ele. Ele viu os coleguinhas queimados, e está com essa lembrança marcada. Fico muito preocupada, choro de ver ele assim. Ele não quer que eu saia de perto;, afirma.