Janaúba (MG) ; Um país chocado, um estado em luto e uma cidade arrasada; duas meninas, quatro meninos e uma professora mortos e pelo menos 28 pessoas, a maioria alunos, de 5 anos ou menos, com queimaduras, lutando pela vida. A uma semana do Dia das Crianças, ninguém esperava que, ao tocar a campainha da Creche Gente Inocente, por volta das 9h30 de ontem, o vigia noturno da unidade, Damião Soares dos Santos, de 50 anos, estivesse prestes a colocar a cidade de Janaúba de forma trágica no centro das atenções do Brasil. Com uma mochila cor de rosa nas costas, na qual carregava um recipiente cheio de gasolina, o funcionário entregou um atestado médico à diretora da escolinha antes de se virar repentinamente, espalhar combustível pelo ambiente e pelo próprio corpo e atear fogo.
A Polícia Civil investiga as circunstâncias do crime e aponta que Damião o premeditou. Em nota, divulgada na noite de ontem, a investigação afirmou que, através de diligências, foram encontrados na residência de Damião galões com combustível. "Também foi apurado que Damião marcou simbolicamente a data, pois há três anos seu pai faleceu", disse a nota. Com problemas mentais, segundo a apuração das autoridades, e obcecado por crianças, ele também teria dito à família, na última terça-feira (3/10), que daria um presente a todos, se matando em breve.
A sala que era usada pelas crianças para recreação, com 40 metros quadrados, teto em PVC ; material inflamável ; e janelas bloqueadas por grades, se cobriu rapidamente de labaredas. Damião, que trabalhava para a prefeitura desde 2008 e há três lidava com problemas psiquiátricos, havia se molhado com o combustível e, em chamas, chegou a abraçar algumas das crianças, segundo relato de testemunhas.
O resultado do gesto ainda inexplicável do ex-estudante de serviço social de uma faculdade de Januária foram as mortes imediatas dele próprio e dos alunos Ana Clara Ferreira da Silva, Luiz David Carlos Rodrigues, Juan Pablo Cruz dos Santos e Ruan Miguel Soares Silva, todos de 4 anos. Mais duas crianças faleceram no hospital. A professora Hellen de Abreu Silva Batista, que ajudou a salvar vários alunos, teve 90% do corpo queimado e morreu no fim da noite.
À medida que a notícia da tragédia se espalhava, as reações iam da mobilização de autoridades, passando pela comoção em redes sociais, até a formação de uma corrente de solidariedade para arrecadação de doações, como medicamentos e sangue. O governador de Minas, Fernando Pimentel, que estava em Aimorés, no Vale do Rio Doce, se deslocou para a cidade do norte de Minas. Antes, já havia determinado a mobilização de todo o aparato médico e hospitalar estadual para dar suporte aos feridos e decretado luto oficial de três dias no estado.
Antes mesmo de conseguirem explicar a tragédia, familiares e conhecidos lidam com a dor de vítimas em estado gravíssimo, com até 90% do corpo queimado. Duas crianças com quadro mais grave foram transferidas de avião para Belo Horizonte ainda na noite de ontem, sendo encaminhadas diretamente ao Hospital João XXIII, referência no atendimento de queimados no estado.
"Achei meu filho morto"
;Eu acordei cedo e fui trabalhar. Meu filho foi para a creche, e achei que à tarde estaria com ele de novo. mas acabei encontrando-o morto, com o corpo queimado, no hospital.; O dramático relato é do trabalhador rural Paulo Pereira dos Santos, de 28 anos, pai de Juan Pablo Cruz Santos, de 4 anos, uma das seis crianças mortas no incêndio da creche. ;Dá muita revolta na gente saber que uma criança inocente pagou com a vida por problemas de outra pessoa;, emendou, numa referência ao vigia Damião Soares dos Santos.
[SAIBAMAIS]Juan Pablo era o único filho de Paulo dos Santos com a doméstica Ana Paula Cruz Santos. Eles se casaram há cinco anos. O casal mora no Bairro Santa Terezinha, que fica afastado três quilômetros do centro urbano de Janaúba, próximo de plantações de banana, local de trabalho de Paulo. A casa simples foi tomada por uma profunda tristeza, que deve aumentar mais hoje, porque o corpo do menino será velado no local.
Paulo conta que estava trabalhando quando soube, pelo rádio, da tragédia. Saiu desesperado e foi até o hospital em busca de informações. Depois de perguntar muito, foi informado por um policial militar que o filho estava entre os mortos. Ana Paula soube apenas no fim da tarde.
O drama se repetiu em outro lar de Janaúba. Fernanda da Conceição Rodrigues, mantendo a rotina, acordou por volta das 6h de ontem. Ela preparou o café e arrumou a roupa do filho caçula, Luiz Davi Carlos Rodrigues, de 4 anos, que seria levado em seguida para a unidade de ensino. ;Ele estava muito alegre. Disse que na creche ia ter brincadeira de pula-pula, preparada para a comemoração do Dia das Crianças;, relatou Fernanda, também mãe de Alisson, de 12.
Fernanda foi para a labuta, numa casa de família, enquanto o marido dela, Warlei Carlos Barbosa, estava no trabalho rural. Na casa da patroa, Fernanda foi informada que o filho estava entre os mortos. ;Isso é uma coisa que deixa a gente sem saber o que falar, não tem explicação;, disse.
Entre os moradores da cidade, há uma pergunta no ar: por que o vigia Damião Soares dos Santos cometeu tamanha barbaridade. Em sua página no Facebook, ele publicou mensagens estranhas às vésperas do crime. No dia 2, postou: ;(...) Hoje estou envenenado, e a casa da minha mãe virou um inverno (inferno). Se alguém duvidar, visite a minha família. Eu fiz tudo para ajudar. Nunca fiz mal a ninguém;. Em outra mensagem, com texto desconexo, fez menção a um ;pior inimigo;, sem explicar o que ou quem seria.
Em vez de festa, a tragédia
Os cerca de 40 menores, na faixa de 3 a 6 anos, da creche Gente Inocente ; oficialmente Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) ;, foram levados ontem para a instituição por seus pais ; a grande maioria trabalhadores simples ; sob muita expectativa. Afinal, no local teria pula-pula e outras brincadeiras nos preparativos para a comemoração do Dia das Crianças. No lugar da festinha, porém, a tragédia, provocada pelo vigia Damião Soares dos Santos, solteiro e sem filhos. Os motivos que o levaram a cometer o crime são desconhecidos, embora existam informações de que estaria em tratamento de um quadro depressivo e tinha sido afastado do trabalho.
A barbárie parou a cidade. As vítimas, inicialmente, foram levadas para o Hospital de Janaúba e para o Hospital Fundajan. Foram convocadas equipes do Samu e médicos dos municípios vizinhos. Houve um grande movimento no local com a chegada e a partida de helicópteros e aviões da PM, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros, que transferiram vítimas com ferimentos mais graves para hospitais de Montes Claros e de Belo Horizonte.
Na porta do hospital de Janaúba, houve uma grande concentração de pessoas: parentes das crianças, curiosos, policiais e jornalistas. Um carro de som informava o nome das crianças que deram entrada na unidade. A solidariedade também prevaleceu. Dezenas de pessoas se concentraram em frente ao laboratório do hospital regional para doar sangue.