Mais um caso de estupro de vulnerável chamou atenção na última semana. Uma menina de 11 anos, violentada pelo próprio padrasto, engravidou e deu à luz o bebê no último sábado, em João Pessoa. A gestação só foi descoberta no quinto mês, quando a menina começou a passar mal e foi levada pela avó ao posto de saúde. A história da garota se repete em todo o país. De acordo com dados mais recentes, de 2014, um estupro acontece a cada 11 minutos no Brasil ; 69,9% das vítimas têm até 19 anos.
A psicóloga Alessandra Araújo afirma que a violência contra o vulnerável causa, muitas vezes, sofrimento em toda a família. ;Há uma culpabilização mútua que só atrapalha a solucionar os problemas que foram causados por esse abuso;, afirma. Segundo a especialista, a criança sofre também por ter a inocência violada por uma pessoa que ela tem respeito, carinho e amor. ;Na maioria dos casos, a criança permite que um pai, um tio, um irmão a abuse sexualmente porque esse abusador mostra isso como uma demonstração de carinho;, comenta.
No caso na Paraíba, o abuso que gerou a gravidez da criança aconteceu quando a menina ainda tinha 10 anos. Entretanto, em depoimento, ela contou que os episódios eram recorrentes, mas não soube informar quando começaram. Tampouco tinha consciência de que estava sendo violentada. ;Quando isso acontece em ambiente familiar, a criança geralmente não sabe diferenciar o que é um carinho inofensivo de um toque maldoso;, contou Adhaílton Lacet Porto, juiz da 1; Vara da Infância e da Juventude de João Pessoa.
O padrasto está foragido desde que a gravidez foi revelada. A mãe da menina, que também deu à luz recentemente outro bebê do mesmo homem, não a levou para fazer consultas ou pré-natal. O processo, iniciado a partir de uma denúncia feita ao Conselho Tutelar da Região Sudeste de João Pessoa, no bairro Geisel, segue em segredo de Justiça para preservar a vítima. A menina está em uma casa de acolhimento.
Dados do 10; Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2016, registram 45.460 casos de estupro em 2015, uma redução de 10% em relação a 2014, quando foram registradas 50.438 ocorrências. Apesar da queda, a publicação ressalta que os números são elevados e subnotificados. ;Assim como a culpabilização das vítimas de estupro, respostas negativas das autoridades e as descrenças aos relatos de abuso afetam a decisão das vítimas em denunciar.; Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que o número seja, aproximadamente, 10 vezes maior, em torno de 527 mil tentativas ou casos de estupro, dos quais apenas 10% seriam reportados à polícia.
De acordo com dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, a gravidez na adolescência teve uma queda de 17% entre 2004 e 2015, entretanto, os números ainda são alarmantes. O total de nascidos vivos de mães entre 10 e 19 anos foi de 546.529 em 2015. Isso representa 18%, ou um a cada cinco, dos 3 milhões de nascidos vivos no país naquele ano. Dessas gestações, 66% das mães disseram ser indesejadas.
Segundo a promotora de Justiça do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar (GEVID) do Ministério Público de São Paulo, Fabiana Dal;mas, são gestações indesejadas, na maioria dos casos, porque foram fruto de violência sexual. A Lei 2.845/13, assegura o aborto legal à mulheres, independentemente da idade, vítimas de abuso sexual e determina que os hospitais devem oferecer às vítimas atendimento emergencial, integral e multidisciplinar para o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.
Tabu
Porém, mesmo assegurado por lei, o assunto é tabu e muitos profissionais de saúde não informam à vítima de violência sexual que existe a possibilidade legal. A promotora diz que as meninas que necessitam do serviço precisam ;fazer uma peregrinação para conseguir um direito que é delas;. Fabiana conta que o número de casos é muito elevado e existem poucos lugares que fazem o serviço de abortamento legal. Há quatro anos, existiam cerca de 65 serviços que atendiam às gestantes que necessitavam realizar o procedimento de aborto legal, atualmente, o número caiu para menos de 30.
A privação dos direitos contribui para o aumento do índice de mortalidade materna, número que o Brasil não consegue superar ; 60 óbitos a cada 100 mil nascidos, segundo o Ministério da Saúde. ;A gravidez em uma criança muito nova é de alto risco. O corpo não está preparado. O não acesso à saúde faz com que essas meninas sofram, com grandes chances de morrer no parto;, lamenta Fabiana Dal;mas.
* Estagiária sob a supervisão de Natália Lambert