Jornal Correio Braziliense

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Livro reconstitui morte de diplomata e uso do Itamaraty contra brasileiros

Obra que relembra a morte do diplomata Paulo Dionísio de Vasconcelos, na Holanda, detalha como os militares, junto com os servidores do Ministério das Relações Exterirores, monitoraram alguns brasileiros %u2014 entre eles, dom Helder Câmara

Telegrama trocado entre diplomatas em postos avançados no exterior e os burocratas de Brasília apresenta um discurso do religioso em Utrecht, cidade do centro da Holanda. ;Segundo as autoridades brasileiras, estou cometendo um crime contra o Estado quando falo em torturas no Brasil. Para mim, porém, seria crime contra o povo brasileiro se eu me calasse;, disse dom Helder, para completar: ;Se eu for por isso atirado à prisão, será a melhor propaganda para a causa que eu defendo;.

Um dos diplomatas destacados para monitorar o arcebispo foi Paulo Dionísio de Vasconcelos, segundo-secretário da Embaixada do Brasil em Haia, o protagonista do livro A morte do diplomata ; um mistério arquivado pela ditadura (Tema Editorial, 205 págs, R$ 35), do jornalista Eumano Silva.

Vasconcelos foi encontrado morto dentro do carro numa das ruas de Haia, onde morava com a mulher grávida e uma filha de 2 anos. O episódio ocorreu em 4 de agosto de 1970, três meses depois das visitas de dom Helder, um personagem que ganha força no livro a partir dos próprios relatos de Vasconcelos em diários e em conversas com a esposa, Maria Coeli. O diplomata foi um dos homens assediados pela estrutura militar para monitorar o religioso durante os encontros na Holanda. E sempre deixou claro o incômodo em acompanhar os passos do arcebispo. ;Dom Helder tornara-se um dos personagens mais atuantes nas denúncias dos crimes da ditadura, como tortura e morte de adversários políticos. Paulo Dionísio resistia a colaborar no monitoramento do ;bispo vermelho;, conforme determinado pela área de informações por meio de canais internos de comunicação;, escreve Eumano no livro, que será lançado em 3 de agosto, em Brasília.

Vasconcelos, para além do glamour da carreira diplomática na Europa, era um cidadão comum, com preocupações corriqueiras de um homem de classe média alta no início dos anos 1970. E aqui está a força do livro A morte do diplomata, pois o texto mostra como a máquina da ditadura tentou ; e, em vários momentos, conseguiu ; engolir simples burocratas, os transformando em algozes dos próprios compatriotas no exterior. Vasconcelos deixou um diário minucioso sobre assuntos pessoais e profissionais. Num dos trechos, expõe o incômodo com o adido naval em Paris, Ezio Seize. Meses antes, o comandante havia interrogado uma oficial de chancelaria sobre supostos contatos com subversivos. ;O comandante parece meio quadrado, além de ser linha-dura e anti-Juscelino;, escreveu Vasconcelos.

Num dos momentos decisivos, o diplomata foi sondado para participar, como infiltrado, de uma reunião de dom Helder. Seria uma espionagem para a comunidade de informações, como era chamado o aparato secreto dos militares. A missão não teria se completado por causa dos riscos associados: um eventual desmascaramento do diplomata ou até mesmo uma associação enviesada com o líder religioso. No diário, Vasconcelos se disse aliviado: ;Estou feliz porque não foi preciso cumprir a missão policialesca que me foi atribuída;. Por mais que o trabalho de funcionários das embaixadas seja participar de eventos de interesse do país de origem, os relatos do diplomata deixam poucas dúvidas sobre o que se queria dele nas reuniões de dom Helder. Com a democratização, ficaram evidentes as ações do serviço secreto do Brasil para evitar ; a partir de tentativa de destruição da imagem ; que o líder religioso recebesse o Prêmio Nobel da Paz. O que nunca ficou evidente ; é o que tenta mostrar o livro ; foi a circunstância da morte de Vasconcelos, a mais de 9.000km de Brasília.