Em meio às discussões no Congresso sobre a redução das unidades de conservação no País, liberando mais áreas para exploração, um estudo mostra que o setor produtivo "ganhou" pelo menos 41 milhões de hectares de terras há cinco anos, quando foi modificada a principal lei que rege a proteção da natureza em áreas privadas, o Código Florestal.
Esse é a estimativa mais recente do tamanho da área que foi desmatada ilegalmente no passado, mas foi liberada da necessidade de restauração com a mudança da lei, segundo cálculos de pesquisadores do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), que serão divulgados hoje.
Estudo anterior feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas logo após aprovação da nova lei tinha sugerido que essa anistia poderia chegar a 29 milhões de hectares. A vantagem do novo trabalho é que ele conta com dados da Cadastro Ambiental Rural (CAR) para compor a malha fundiária do País, melhorando a modelagem usada para medir o tamanho do passivo no Brasil, ou seja, quanto foi desmatado ilegalmente e precisa ser recuperado.
O CAR é um instrumento criado na nova lei, que estabelece que todos os proprietários de terra têm de registrar seus imóveis, revelando quanto da área é ocupado pela produção e quanto é preservado em Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP), como nascentes e margens de rio.
"Com as análises percebemos que a anistia, ou seja, a consolidação de áreas que tinham sido desmatadas até 2008, foi muito maior. São 36,5 milhões de hectares (Mha) de reserva legal e 4,5 Mha de APP. Numa tacada só da revisão da lei, a agricultura ganhou 41 milhões de hectares que, de outro modo, deveriam ser florestas", afirma Luis Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação agrícola do Imaflora e um dos autores. "É importante ter essa perspectiva no momento em que se discute redução de unidade de conservação", complementa.
Passivo
O estudo aponta que o déficit atual de vegetação nativa é de 19 milhões de ha, sendo 11 Mha de RL e 8 Mha de APP. Essas sim são áreas que agora precisam ser recuperadas.
E inova ao mostrar como se dá a distruição desse passivo ambiental entre as propriedades. Dos quase 2 milhões de imóveis que estão em desacordo com o que estabelece a nova lei, 82% são pequenas propriedades, com menos de quatro módulos fiscais (MFs), 12% são médias (entre 4 e 15 MFs) e 6% são grandes (mais de 15 Mfs).
Mas quando se olha o total da área que está em não-conformidade com a lei (os 19 milhões de hectares), esse quadro se inverte: 59% está nas grandes propriedades, 35% nas médias e 6% nas pequenas. Essa análise é útil, defendem os autores, para direcionar as ações de regularização ambiental daqui para a frente.
"É uma enorme concentração da dívida em poucos imóveis grandes. Então é possível direcionar a estratégia de restauração, com monitoramento, para eles. Isso vai trazer um resultado rápido para a retomada dos serviços ambientais e redução de emissões de gases de efeito estufa", afirma Gerd Sparovek, da Esalq. Segundo os autores, a boa notícia é que a oferta de ativos, áreas em que está sobrando floresta, é cinco vezes maior que o déficit.