Jornal Correio Braziliense

Brasil

A vida sem mãe

Se você é como eu, sente-se órfão. Não importa a atenção que tenha tido enquanto ela viveu, a quantidade de colos e broncas que recebeu, o tamanho das lições que ela deixou, mesmo sabendo que têm duração para a eternidade. Quando se vai uma mãe, fica um filho sem norte. Não se trata de saudade simplesmente, mas de desmantelo. É um desamparo sem medida, nem remédio. Não era minha intenção fazer reflexões tristonhas neste dia ; tão celebrado comercialmente ; em um país tão desrespeitoso com a condição de mãe, capaz de encarar uma licença-maternidade como um favor. Mas, hoje, a necessidade que senti foi honrar os antepassados, homenagear a minha mãe.

Sou uma mãe feliz. Sou uma avó ainda mais feliz. Meus filhos e minha neta têm o meu amor e a minha atenção. Mais do que isso, têm a minha devoção. No altar das minhas emoções, ocupam o centro e o cume. Na base, no entanto, está minha mãe. Mesmo ausente, é dela que me constituo. Sou feita de seu molde, tenho a forma que ela me deu. E, se eu tiver o dom do discernimento, algo raro e difícil num mundo de incertezas e joguetes, saberei fazer de seus ensinamentos o livro da minha vida. É o que tento. Não ser apenas o arcabouço que herdei, mas ter em mim todo o conteúdo que ela me transmitiu.

Mães são feitas de muitas coisas. Amor e complacência, serenidade e paciência, honestidade e verdade. Só elas são capazes de dizer que saímos da linha sem que isso pareça um julgamento impiedoso. Elas corrigem rumos, apontando caminhos. Não te jogam na mão um mapa sem coordenadas. Por isso, quando morrem, a sensação primeira pode ser resumida com uma frase: ;Estou perdido;. Mesmo quando estão doentes, cansadas, quando já somos nós que cuidamos, enquanto estão vivas nos concedem a graça de nos proteger. É tão intrigante essa relação.

O poeta Carlos Drummond de Andrade foi definitivo ao dizer: ;Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca...;. Verdade verdadeira, digo eu: elas não morrem nunca. Ficam vivas na nossa lembrança, com seus ensinamentos, sorriso, cuidado, desprendimento. O próprio Drummond, no mesmo ;Para Sempre;, endossa: ;Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho;. Eu carrego comigo essa consciência: diante de dona Wanda, serei só grão. Se florescer como ela, saberei que deixarei aos meus filhos uma semente de qualidade. Hoje, sou só saudade de Wandinha, meu amor!