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Conheça Kika, a mulher que foi atacada após lutar por mais respeito

A arte-educadora marchou na última quarta-feira, 8 de março, no Dia Internacional da Mulher, com os seios e rosto à mostra e sofreu ataques preconceituosos nas redes sociais

Depois de se manifestar no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e sair na primeira página do Correio Braziliense, Kika de Moraes, 30 anos, tornou-se mais uma mulher a ser alvo da intolerância que ainda cresce nas redes sociais e nas ruas do país. Por protestar com o rosto e os seios à mostra, ela foi alvo de mensagens preconceituosas que se multiplicaram na internet. Retratada a partir de uma só cena, pessoas que sequer a conheciam a julgaram apenas pela exibição do corpo, que a ela pertence. Kika é muito mais que apontam as conclusões precipitadas: ela é mãe, arte-educadora e atriz. Retratou apenas uma mulher entre tantas outras que são constantemente vítimas do machismo.

[SAIBAMAIS]Em um protesto que reuniu 5 mil mulheres em prol da igualdade de direitos, Kika e mais 27 companheiras do Movimento Uma a Mais realizaram uma performance em que algumas delas marcharam seminuas ; uma maneira simbólica entre as feministas de dizer que o corpo da mulher pertence a ela, que faz o uso que quiser dele. Durante o ato, a artista revelou que não se sentiu ameaçada ou humilhada. Contudo, na quinta-feira, após a repercussão, pôde sentir na pele o efeito de manifestações de ódio. "Foi um dos dias mais lindos que vivi e, depois, um dos piores", contou emocionada a mãe de Linda Julieta, 6 anos.

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As retaliações não vieram apenas de homens, mas também de mulheres que atacaram Kika nas redes sociais. "Os comentários deles (homens) a gente já nasceu esperando. Mas os das mulheres, não. Fiquei assustada quando vi que não receberia o apoio delas, porque eu estava lá por todas nós", completou. Questionada sobre os motivos pelos quais protestou na quarta-feira, a brasiliense foi enfática: "Por mim, pela minha filha, minha mãe, minha avó, minha cunhada, minhas amigas, minha vizinha. Por todas as mulheres".

Livre, igual e feliz

No dia da manifestação, ela chegou ao Museu Nacional da República depois de algumas meninas, que já estavam prontas para a performance. O sentimento, segundo Kika, foi de emoção e orgulho. No entanto, tirar a blusa não foi algo fácil ; pensou na escola, nos pais de seus alunos e nos julgamentos que receberia. Juntou forças e refletiu sobre a importância do protesto aliado a uma das coisas que mais ama na vida: a arte. Respirou fundo e despiu-se. "Hesitei, mas recebi muita força das outras mulheres. Foi o único momento da minha vida em que eu me senti completamente livre, igual e feliz;, completou.

Embora participe de debates e movimentos, Kika não se considerava feminista; até este momento: "Hoje, me deram muitos motivos para bater no peito e esbravejar com muito orgulho: ;Sou feminista, sim;. A luta continua. Essas agressões psicológicas só nos fizeram mais fortes, porque não ofenderam só a mim, mas a todas as mulheres". Elas estão planejando um "Peitaço" como forma de protestar contra os ataques. "Todas estão convidadas para se sentirem livres e donas de si."

Segundo Kika, entre as ofensas que recebeu, as relacionadas aos seios foram as mais difíceis de digerir. "As constantes críticas ao corpo feminino e o culto ao ;peito perfeito; nos deixam inseguras. Crescemos aprendendo a odiar nosso corpo. Esses comentários nos remetem aos mais profundos traumas, mesmo que já tenhamos aprendido a lidar com eles", explicou.

Professora de musicalização para bebês, Kika leciona em duas escolas infantis do Distrito Federal e na Faculdade Dulcina, onde se graduou. Apaixonada pela educação, a professora de artes leva para as crianças de comunidades do Distrito Federal a arte de qualidade, com o coletivo Excêntrica Família Firula, criado com o marido Lucas Ferrari, ator e palhaço. Atualmente, a renda total da família vem da arte.