A decisão do Ministério da Saúde de exonerar a médica Ana Carolina Faria Santelli da coordenação das políticas de combate ao Aedes aegypti, publicada na sexta-feira (6/1), provocou críticas da comunidade científica. Especialistas temem que a substituição da médica por Divino Varelo Martins, que deixará o cargo de secretário de Vigilância Ambiental do Distrito Federal, interrompa as ações em andamento justamente às vésperas da temporada de maior incidência do mosquito.
Na semana passada, quando as notícias da troca na Coordenação-Geral dos Programas Nacionais de Prevenção e Controle da Malária e das Doenças Transmitidas pelo Aedes começaram a circular na Esplanada dos Ministérios, cientistas criaram um abaixo-assinado na internet com o objetivo de evitar a medida. Endereçado ao presidente Michel Temer e ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, o documento contava, na tarde desta segunda-feira (9/1), com aproximadamente 1.200 assinaturas.
"Lamento muito profundamente essa decisão. Ela causa decepção e é uma falta de respeito a instituições e programas que funcionam bem e durarão por muito mais tempo do que o mandato desse ministro, mesmo que ele vá até o fim (do governo Temer)", afirma Cláudio Tadeu Daniel Ribeiro, ex-presidente e atual membro da diretoria da Federação Internacional de Medicina Tropical.
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Segundo Ribeiro, criador do abaixo-assinado, parte do sucesso do Brasil no combate às doenças tropicais se deve ao trabalho de Santelli, que foi membro do Conselho da Parceria Roll Back Malaria, da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2015, como representante dos países da América Latina e Caribe. Ribeiro cita como conquistas recentes o fato de, em 2015, o Brasil ter registrado o menor número de casos de malária (143.161) nos últimos 36 anos.
"Ela está indo bem, é uma pessoa que tem reconhecimento não só de sua competência técnica, mas de seu enorme traquejo no relacionamento com os setores municipais e estaduais, que, em última análise, executam as ações do Plano de Controle de Prevenção no país", comenta o especialista, para quem a única explicação para a decisão seriam motivações políticas.
[SAIBAMAIS]As decisões do governo para essa área vêm sendo alvo de críticas há alguns meses, desde que houve a fusão do programa de malária com o de doenças transmitidas pelo Aedes. A medida foi tomada no segundo semestre de 2016.
"Mais mudanças só colocam em risco a população que sofre desses agravos. Caso não haja mais recursos e eficiência, aliados à pesquisa aplicada, as perspectivas, infelizmente, não são boas", diz o pesquisador da Fiocruz André Siqueira, que também assinou o documento. "No caso da malária, se não houver investimento real para a eliminação, o risco é de novas epidemias", acrescenta Siqueira, que é médico infectologista, mestre em epidemiologia e doutor em doenças tropicais.
Nomeado também assinou
Procurada pelo Correio, Ana Carolina Santelli disse que não se pronunciaria sobre sua exoneração. Já seu substituto, Divino Varelo Martins, afirma ver a movimentação da comunidade científica com naturalidade e conta que ele próprio assinou o documento contra a exoneração da antecessora. "Eu entendo que esse protesto não foi contra a minha pessoa, mas contra a saída de uma colega. Eu vejo a manifestação com tranquilidade. Do ponto de vista afetivo, ela é normal", diz.
O novo coordenador-geral garante que não haverá descontinuidade de trabalhos que deram certo, mas que, naturalmente, os programas de combate ao Aedes serão intensificados, dado o aumento de incidência de doenças como dengue, zika e chicungunha. ;Tanto o programa nacional de malária quanto o de Aedes trabalham dentro de uma métrica. Basta o coordenador dar continuidade às metas, que são acordadas com a OMS. Ninguém acaba com um programa do dia para a noite; a única diferença é que existe um processo de mudança que intensifica uma ou outra ação;, justifica.
Varelo diz ainda que pretende continuar dialogando com especialistas e que não há motivos para alarmismo na comunidade científica. ;Se eu fosse uma pessoa alheia ao processo de saúde, entenderia essa preocupação, mas sou oriundo dessa área, com 30 anos de experiência. Tenho, por exemplo, quatro processos técnicos desenvolvidos por universidades, onde estou pessoalmente envolvido com o meu grupo de pesquisa;, aponta.
À frente da Secretaria de Vigilância Ambiental do Distrito Federal ao longo de 2016 (ele tomou posse em novembro de 2015), Varelo não apresentou grandes resultados. Segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, o DF apresentou um aumento na incidência de dengue de 84,8% entre 2015 e 2016, enquanto, no páis, houve queda de 9,1%. Já a incidência de chicungunha cresceu 1.228% no DF, enquanto o aumento nacional foi de 628%.
A reportagem procurou a assessoria do Ministério da Saúde, mas até a publicação desta matéria não havia recebido resposta. O espaço continua aberto para a manifestação do órgão.