Jornal Correio Braziliense

Brasil

Após página no Facebook viralizar, estudantes denunciam abusos e homofobia

Em entrevista ao Correio, alguns desses alunos e ex-alunos afirmam ter vivido ou testemunhado situações de homofobia, assédio e professores xingando estudantes dentro das salas de aula

A aluna D. relatou ainda que ela e seus colegas procuraram resolver o problema em várias instâncias da escola, mas a situação não foi resolvida. "Depois de saber o que o professor falava sobre o meu amigo, indiretamente, fomos reclamar com nossos superiores. Logo, fomos encaminhados para a seção psicopedagógica, onde relatamos cada detalhe, cada discurso de ódio e cada atitude má que o professor tomou dentro da sala de aula. Meu amigo foi primeiro, depois, eu e mais algumas testemunhas. Eles disseram que iriam tomar uma atitude. Na minha opinião, no mínimo, o professor deveria ter levado alguma punição pelos ocorridos desde o começo do ano. Mas acabou que no final não deu em NADA. O professor continuou profanando discursos de ódio e fazendo coisas ruins até o final do ano.
Depois de tudo isso, relatamos isso para outros professores, monitores e colegas e eles nos disseram a mesma coisa: ;não vai dar em nada, ele é major;, ;você sabe que não vai dar em nada né?;, ;ele é amigo do comandante, não vai acontecer nada;. Se tomaram alguma atitude (o que provavelmente não aconteceu), não sabemos, pois nunca nos comunicaram nada, e além do mais, nada mudou. O professor continuou com as mesmas más atitudes e língua", afirmou. De acordo com a estudante, apesar da atitude de alguns professores, "no colégio há profissionais maravilhosos e de total confiança".

Segundo a ex-aluna do Colégio Militar de Brasília (CMB), Luana, 19 anos, os assédios eram constantes. "Alguns superiores me mandavam indiretas sobre meu corpo e minha aparência. Falavam que eu era ;linda;, e tinha um corpo ;escultural;. Todo mundo gosta de ouvir elogios, mas isso não é um elogio inocente vindo de um homem de 40 anos para uma menina de 16. Já vi eles assediarem outras meninas também, oferecendo uma ;voltinha com benefícios;. Não posso dizer que todos os militares que trabalham no colégio são assim, mas alguns são. Tentei falar com um suoerior sobre isso e ele me disse para ignorar, pois seria apenas um ;desejo masculino que não pode ser controlado;, e que a solução para o problema seria ;deixar pra lá que o cara me deixaria em paz;. Nunca contei pros meus pais ou amigos por medo, e tive medo até concluir o ensino médio", conta.

O estudante L., 17 anos, conta que já ouviu diversos comentários e piadinhas por conta da sua orientação sexual. "Quando me assumi tanto nas redes sociais, quanto no modo de andar e falar, sofri retaliações de colegas. Até aí, nada fora do comum. Porém, algumas me chateavam muito, então resolvi procurar algum monitor para conversar e saber o que fazer quanto a isso. Ao ver que eu era gay, o monitor disse que eu não devia fazer nada, pois ;as piadinhas eram para me fazer enxergar que eu estava errado;, e que esse tipo de buylling era ;saudável;.Disse ainda que um dia eu iria ;agradecer aos meus colegas;, quando voltasse a ser ;o que era para ser;. Cheguei em casa chorando muito, mas não tive coragem de contar para os meus pais sobre o caso desse monitor. Minha família sempre me deu muito apoio, e foi por isso que eu continuei estudando no colégio", disse o aluno do Colégio Militar de Brasília (CMB).

O ex-aluno Erin Fernandes, 18 anos, fez um relato em seu Facebook com um depoimento de apoio à página No meu Colégio Militar, e experiências vividas pelo jovem."Eu fui desdenhado, ameaçado, exposto e até agredido fisicamente nas dependências do colégio, até o último dia em que o frequentei. E isso não era recorrente porque eu ficava calado ou não contatava meus responsáveis", conta. Erin diz em sua postagens que procidências sobre seu caso foram tomadas apenas uma vez: "A única vez que me lembro de alguma providência tomada em relação a algo que sofri injustamente é de quando um menino da minha sala, por eu ser "viadinho", me empurrou no chão, durante a formatura, e rasgou a minha calça. Ele levou um FO (Fato Observado) e perdeu 0,3 de comportamento, mas só. E isso porque ele era aluno, não profissional, se o fosse, teria sido certamente acobertado".

O jovem defende que a campanha #NoMeuColegioMilitar pode ajudar alunos que passam por algum tipo de abuso dentro do colégio. "Eu reconheço a série de coisas positivas que o Colégio Militar me proporcionou, como o acesso a atividades extracurriculares de grande teor acadêmico, e também, mais ainda, reconheço o esforço de vários profissionais dedicados a construção de um ambiente melhor e responsável. Mas acontece que pra mim e pras milhares de pessoas que aderiram ou apoiaram a campanha, o CM sempre significou muito dispêndio de saúde física e mental. E esse cenário não vai mudar enquanto não falarmos abertamente sobre isso", escreveu.

[VIDEO1]

Mesmo com a página No meu colégio Militar fora do ar desde a manhã desta sexta-feira (30/12), alguns alunos criaram a página chamada No nosso Colégio Militar, que agrupa depoimentos de apoio e defesa da instituição. Criada no dia 29, a página conta com mais de 800 curtidas.

Em um dos depoimentos, uma aluna do Colégio Militar de Campo Grande (CMCG) afirmou que "generalizar é errado e dirigir toda essa hostilidade ao sistema, denegrindo sua imagem, não vai adiantar nada". Uma ex-aluna, chamada Patrícia, comentou que "só tem a agradecer" e disse ser "muito orgulhosa de ter feito parte desta instituição, que sempre terá meu apoio e defesa".

[VIDEO2]

Procurados pelo Correio, o Colégio Militar de Brasília (CMB) e o Colégio Militar de Campo Grande (CMCG) não se pronunciaram sobre as denúncias. Este espaço está aberto para a manifestação das instituições.