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'São heroínas e não desocupadas', diz médica à fala de ministro da Saúde

Ricardo Barros afirmou, nesta quinta-feira, que mulheres vão mais ao médico porque trabalham menos e têm mais tempo livre


A fala do ministro da Saúde Ricardo Barros de que homens procuram menos médicos porque "trabalham mais do que as mulheres e são os provedores [das famílias]" repercutiu muito pelo país, nesta quinta-feira (11/8). Mulheres criticam o desconhecimento da realidade brasileira e rebatem: "Essas mulheres são heroínas e não desocupadas", afirma a ginecologista e médica do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Halana Faria.

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A médica explica que as mulheres acabam sendo mais "convocadas" a exames rotineiros do que os homens. "Desde a primeira menstruação, são levadas a ginecologistas e orientadas a procurar esta especialidade todos os anos", diz.

Halana lembra que são mulheres que engravidam, que precisam buscar contracepção, acompanham cistos e nódulos - mesmo que a prevenção contra a gravidez seja responsabilidade das duas partes. "O ministro parece esquecer-se das mulheres que pegam ônibus, trabalham fora, voltam pra casa para as tarefas domésticas pouco repartidas com parceiros, e ainda conseguem encaixar nessa agenda um horário para cuidar de si mesmas. São heroínas e não desocupadas como o ministro sugeriu", critica a médica.

Apesar da declaração de Barros, dados da Pesquisa Nacional por Domícilio (Pnad) de 2014, realizada pelo IBGE, mostram que mulheres trabalham, em média, cinco horas a mais do que homens. O cálculo soma o trabalho remunerado, feito fora de casa, e o trabalho doméstico. Além disso, o estudo aponta que a carga horária delas aumentou em uma hora desde 2004.

A Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, realizada pelo IBGE e divulgada no ano passado, aponta que 78% das mulheres entrevistadas tinham ido a, no mínimo, uma consulta médica nos últimos 12 meses. Por outro lado, apenas 63,9% dos homens disseram o mesmo.

Justificativa incorreta
Para a socióloga do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Nathália Mori, a fala do ministro demonstra "total desconhecimento da realidade brasileira." Para ela, as declarações desprezam a participação das mulheres na produção do país.

"De fato, as mulheres procuram mais atendimento médico, mas o problema foi a justificativa dele: na verdade, isso ocorre porque há uma distribuição desigual dos cuidados da casa. A nossa cultura isenta os homens dos cuidados da saúde, como se isso fosse obrigação inerente à mulher", explica a socióloga. Quem cuida dos idosos, das crianças e de todos na família, geralmente, é a mulher.

Nathália elogia políticas públicas que incentive homens a fazerem exames e se cuidarem mais. Primeiro, porque é importante para a saúde deles, e, segundo, porque retira da mulher a responsabilidade de cuidar da saúde deles também.

A fala do ministro foi feita no lançamento de um programa do ministério de incentivo à saúde do homem, o "Pré-Natal do Parceiro". A proposta é que homens sejam incentivados nos postos de saúde a também fazerem exames quando forem acompanhar as gestantes.