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Maria da Penha sobreviveu ao calvário e usa o drama do passado como alerta

Em entrevista, ela ressalta que ainda há muito a se evoluir nas questões que tratam da violência contra a mulher. Existem vários tipos de violência e, às vezes, mulher acha que só a física tem que ser denunciada



O fato de ele ser o pai das suas filhas interferiu no processo de separação e criminalização da violência doméstica? Você teve contato com ele depois do início do processo?
Não, de jeito nenhum. Ele também as maltratava, então as minhas filhas nunca tiveram um momento de saudade. Muito pelo contrário, elas se sentiram muito apoiadas pela minha família. Para elas, foi um alívio também. Nós nem mantivemos contato com ele. Durante o período do inquérito, em que ele tinha que vir para as audiências, resolveu se mudar para o Rio Grande do Norte e ele só aparecia em Fortaleza para as audiências. Depois que ele foi preso e cumpriu a pena de dois anos em regime fechado, eu não tenho mais notícias de onde ele se encontra.

Você tinha noção do que estava vivendo quando era agredida?
Não, não de violência doméstica. Nem existia esse termo. O que se falava nas rodas de amigas era que a mulher tinha um marido que era muito bom, mas que quando bebia batia. Sempre se dava a entender que era uma coisa normal. E que a mulher que se separava era uma mulher desquitada, malfalada, que se sujeita a ;algumas situações erradas;. A mulher tinha que viver junto com o marido e tinha a ideia machista de que dependia dela a harmonia no lar. Então não importava o que acontecesse, ela tinha que aguentar e por isso os homens faziam das mulheres o que eles quisessem.

Antes do sucesso do livro Sobrevivi, você tinha espaço na mídia para denunciar seu sofrimento e essas falhas do poder público?
Depois de uns três ou quatro anos do término do processo, foi criado o Conselho Cearense do Direito das Mulheres e eu comecei a fazer parte, a participar dos eventos e caminhadas e foi a partir disso que fui me tornando conhecida. Então, eu já era conhecida pelo trabalho do conselho e, depois que o livro foi lançado, eu me tornei de uma vez por todas conhecida, por causa da assessoria na divulgação do livro e pelo fato de as mulheres ficarem mais conscientes e começarem a conhecer mais, participar mais desses dias comemorativos, como o 8 de março.

Você se considera feminista?
Se feminismo é isso que eu estou fazendo, eu sou feminista. Porque há mais de 10 anos eu estou conscientizando as pessoas da importância da lei na vida das mulheres e da sociedade.
[SAIBAMAIS]
Para você, quais os maiores trunfos da Lei Maria da Penha?
O entendimento de que violência doméstica é um crime. A Lei Maria da Penha não quer punir o homem, mas punir o homem agressor, que é aquele que não sabe tratar a sua mulher como pessoa humana e se acha seu dono. Existem vários tipos de violência e, às vezes, mulher acha que só a física tem que ser denunciada. A lei esclareceu a violência sexual, a psicológica, a patrimonial. Havia uma ignorância muito grande sobre isso, mas, à medida que fui conversando com as mulheres feministas dos movimentos sociais, fui me apropriando dos termos e da importância de a gente divulgar essa pauta.