Recém-empossado ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), o gaúcho Fábio Medina Osório, 48 anos, assume disposto a dar mais ênfase à prevenção de ilícitos no setor público, de forma a evitar ações judiciais, de improbidade e também penais. Com o cuidado de quem sabe que se trata de um período de interinidade, não descarta também analisar de perto a atuação do antecessor, José Eduardo Cardozo, na defesa da presidente afastada, Dilma Rousseff, na fase inicial do processo de impeachment. Na avaliação dele como jurista, ainda preliminar, Cardozo, enquanto advogado-geral da União, não poderia ter defendido a tese de que há em curso ;um golpe de estado;.
Ex-promotor e secretário adjunto de Justiça e Segurança do governo do Rio Grande do Sul, Medina Osório defende uma atuação em defesa do Estado por parte da AGU. Diz que vai acompanhar de perto questões caras ao governo que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a forma de recálculo da dívida dos estados e municípios. Institucionalmente, pretende fortalecer o órgão, valorizar as carreiras que compõem a AGU.
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Especialista em probidade administrativa, Osório ingressou no Ministério Público do Rio Grande do Sul em 1991 e fez carreira até 2006. De 2003 a 2005, foi subsecretário de Justiça do estado. Em 2006, decidiu se dedicar à advocacia privada. Comandava, até a semana passada, o próprio escritório, Medina Osório Advogados. É mestre em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha). Preside o Instituto Internacional de Estudos de Direito de Estado. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Quais são os principais desafios que o senhor vai enfrentar na AGU?
A AGU já teve grandes estadistas. Eu me limito a citar dois ministros que marcaram muito profundamente esta instituição: Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Eles deram uma feição institucional para a Advocacia-Geral da União, profundamente sólida. A AGU precisa hoje, após alguns percalços, que estão talvez marcando mais recentemente a sua história, se caracterizar por uma auto-estima dos seus membros, das pessoas integrantes das suas carreiras, valorização dessas pessoas, estímulo. São integrantes extremamente qualificados do ponto de vista pessoal, profissional, intelectual. E, ao mesmo tempo, é necessário tratar as carreiras integrantes da AGU como uma autêntica advocacia de Estado. Vincular cada vez mais a uma advocacia de interesse público. Deve haver a valorização das carreiras. O maior prestígio possível.
Quais mudanças o senhor deve propor?
Primeira grande, profunda mudança, é um diálogo mais estreito com as carreiras que integram a Advocacia-Geral. Ouvi-las, valorizá-las, qualificá-las. Muitos órgãos estratégicos dessas carreiras são essenciais à Justiça e estão sucateados, desmantelados.
Em Brasília, quando se fala em valorização de carreiras, automaticamente se pensa em aumento de salário, que acabou de ser aprovado. Como o senhor vai lidar com isso?
A valorização de profissionais é uma pauta muito mais complexa do que mero aumento salário. Eu, que já integrei o Ministério Público por mais de 14 anos, sei que passa por uma agenda mais sofisticada que salário. Passa por meritocracia, valorização, prestígio, motivação, por ideias. Estrutura de trabalho, atribuições, respaldo, conjunto de fatores que transcendem completamente a questão salarial. A valorização financeira é um aspecto, mas é uma agenda muito mais complexa.
O sr. fala em advocacia de estado. O que difere uma atuação de uma defesa de estado de uma defesa do governo?
Eu falo em defesa de estado porque nós temos que ter sempre a noção ; e isso tem sido enfatizado pelo presidente Michel Temer ; de que os governos são todos passageiros, e essas carreiras permanentes são de estado e, portanto, todo governo, ao formular políticas públicas, acaba formulando também políticas que merecem sempre uma perspectiva de continuidade administrativa. É inaceitável que o governo que se instale nesse país promova o desmonte da máquina pública.
Havia algumas críticas de que o ex-ministro agia como um advogado de governo fazendo a defesa de Dilma. Como fica isso agora?
Esse é um tema que será oficialmente analisado pela AGU. E, portanto, nós não nos pronunciaremos ainda formalmente sobre o assunto, que poderá ter desdobramentos. Teremos de formalizar um posicionamento sobre este tema, ou seja, sobre qual é o reflexo jurídico da atuação anterior da AGU nesses processos, a jurisdicidade dessa atuação, e a posição da AGU nesses processos. Desde logo, nós temos uma perspectiva de que a AGU só pode atuar quando haja um ato impugnado revestido de interesse público. Nesses casos também, ela defende o agente político. Se houver no ato impugnado o interesse público poderá defender também o agente político eventualmente envolvido no processo.
Em relação a um dos processos no Supremo, o que trata da dívida dos estados. Tem alguma ação que o senhor vai apresentar?
A AGU vai acompanhar muito de perto, até porque o anterior AGU não pode acompanhar esse processo porque estava envolvido na defesa pessoal da presidente da República no processo de impeachment.
O senhor entende, então, que a defesa foi pessoal. Entende que houve um desvio na conduta do AGU nesse sentido?
Posso adiantar que, do ponto de vista jurídico, havia e houve fundadas dúvidas sobre os limites, tanto que associações de classe suscitaram uma perplexidade. Agora, para analisar com maior profundidade, tem que se analisar os atos praticados, e quais foram as teses levantadas. Porque não podemos esquecer que a AGU também tem um compromisso ético com o tipo de tese que ela sustenta em juízo. Ela não pode afrontar os poderes de Estado. Um advogado-geral da União, por exemplo, jamais poderia sustentar uma tese de golpe de Estado em curso no nosso país. Isso sim seria algo completamente inapropriado.