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'Não fere regras da Igreja', diz especialista sobre declaração do papa

Declaração de Francisco classificando como "um mal menor" o uso de métodos artificiais para prevenção da gravidez é debatida por especialistas. Bispo auxiliar de Brasília ressalta a importância de controlar a epidemia de zika

Diante da preocupação gerada pelo surto de zika e microcefalia na América, a declaração do papa Francisco classificando como um ;mal menor; o uso de contraceptivos causou alguma surpresa: a Igreja Católica condena o uso dos métodos chamados artificiais, como pílula anticoncepcional, dispositivo intrauterino (DIU) e preservativos. Entretanto, pontuam os especialistas, a fala não aponta uma quebra de normas da Igreja.

O professor Marcos Aurélio Fernandes, do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), explica que a regra vem da doutrina da Igreja relativa ao matrimônio, que pressupõe a intenção de geração, multiplicação: seria ;imoral; o ato sexual que não aceita essa possibilidade. ;É o ;crescei-vos e multiplicai-vos;. Santo Agostinho (um dos mais importantes filósofos do cristianismo) dizia que a prole faz parte do matrimônio de forma essencial, e a Igreja vê como egoísmo o casal não colaborar para a reprodução humana;, esclareceu.

Entretanto, alguns teólogos questionam a ;intransigência; da regra e consideram que, além da procriação, outras questões devem ser levantadas: ;Tem ainda o aspecto da comunhão de vida, do amor, da unidade, mais pessoal da vivência da sexualidade do casal, do ponto de vista cristão;, lembrou o professor.

Assim, sublinha Fernandes, o teor da declaração do papa já era tema de discussão. ;Há teólogos que entenderam que esse aspecto da prole não é absoluto e que o mais importante é a vivência do amor pelo casal. O papa não está indo contra, ele está dizendo algo que teólogos da moral cristã já diziam. Porém, ele estaria um precedente, porque um papa se pronunciar dessa forma mostra certa abertura;, observou. ;Essa sensibilidade pastoral dele é uma novidade.;

Além da declaração acerca dos contraceptivos, o pontífice condenou o aborto ; que considera um crime como os praticados pela máfia ; e pediu o combate do mosquito Aedes aegypti e a criação de vacinas contra o zika. Dom Leonardo Steiner, bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), ressalta na fala do papa o apelo aos pesquisadores pelo controle da epidemia, mobilização que considera ;vital;.

;O papa condena o aborto e, depois, aborda a questão dos contraceptivos como um ;mal menor;: Existe, portanto, uma colocação de não condenação. Em seguida, aborda um terceiro tema, importante para nós: convocar a comunidade científica para combater o vírus, como houve na epidemia de ebola. A questão do aborto e da contracepção é imediata. Mas, e o futuro?; questionou o bispo. ;A posição da CNBB será sempre a posição do Santo Padre. Se ele enviar para a Igreja, neste momento de epidemia, uma norma concreta, é claro que a CNBB acolherá;, emendou.

Fernandes, da UnB, frisa que as recomendações dadas pelo papa são direcionadas a casais com relacionamento reconhecido pela Igreja. ;É a doutrina padrão, ligada à ideia da responsabilidade com o ato sexual e com a família. Por mais que o papa seja sensível às dificuldades dos cristãos, em uma sociedade que pensa de forma diferente, de certas coisas ele não vai abrir mão;. Contra doenças sexualmente transmissíveis, cuja transmissão somente é impedida pelo uso de preservativos, a recomendação é a abstinência sexual.

Opções

Como alternativa aos métodos artificiais, os fiéis utilizam técnicas de abstinência periódica e monitoramento da fertilidade: uma das mais comuns é a conhecida como método de ovulação Billings, que requer a análise do muco cervical feminino para identificar o período mais fértil da mulher. De acordo com a OMS, a opção tem eficácia de 98%, com o uso adequado.

Em Brasília, um grupo realiza encontros mensais para ensino e discussão dos métodos, na Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, na Asa Sul. De acordo com Andréia Costa, técnica em enfermagem e coordenadora da equipe de métodos naturais da Arquidiocese de Brasília, as reuniões ocorrem há 16 anos, com acompanhamento de uma médica. ;Nós usamos a medicina a nosso favor, para entendermos os sinais do corpo, e orientamos os casais que querem aprender. A Igreja incentiva que utilizemos os métodos naturais porque não causam nenhuma consequência grave, como na questão da contracepção ; e o papa não incentivou o uso de camisinha ou pílula;, disse.

Andréia explica que não são discutidos, nas reuniões, os planos dos casais, seja de ter um filho ou de evitar uma gestação. A equipe também dá orientações a jovens que desejam entender a técnica e a pessoas que não são da religião católica, mas desejam evitar o uso de medicamentos.


Segundo Dom Leonardo, a CNBB também não age de forma a interferir decisões internas aos casais, nem neste momento de epidemia. O foco da conferência, afirma, é orientar as comunidades para o combate ao mosquito e também para o acolhimento e apoio às famílias em locais com casos de microcefalia.

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