Jornal Correio Braziliense

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Professora da UnB diz que punição da Samarco pode chegar à esfera penal

A docente ressalta que o julgamento das empreiteiras envolvidas nas investigações da Lava-Jato será um dos marcos da aplicação da Lei Anticorrupção

O rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), que provocou o desastre ambiental responsável pela degradação do Rio Doce, poderá ser punido com rigor se depender da legislação ambiental brasileira. A professora de direito civil e comercial da Universidade de Brasília (UnB) Ana Frazão avalia que a responsabilização da empresa pode chegar até mesmo à esfera penal e que, dependendo do grau de participação das acionistas do grupo que controla a Samarco, a Vale e a BHP Biliton, é possível que contra elas também sejam tomadas medidas legais. A culpabilização da pessoa jurídica no caso de tragédias ambientais permite inclusive uma associação com casos como os investigados na Operação Lava-Jato. A Lei Anticorrupção, sancionada em 2013, também prevê a responsabilização de empresas envolvidas em ilícitos como o desvio de dinheiro. Nesse caso, a punição se restringe à esfera administrativa, mas pode chegar até mesmo ao encerramento das atividades. Em entrevista ao Correio, Ana, que é ex-conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), fez uma análise jurídica dos possíveis desdobramentos do desastre ambiental em Minas Gerais e falou sobre a importância de julgamentos de casos como os que envolvem as maiores empreiteiras do país atualmente para que o Brasil mostre que vai levar a sério a legislação contra a corrupção.



Quais os próximos desdobramentos jurídicos que podem ocorrer no caso da Samarco?

O desdobramento que certamente ocorrerá é o da responsabilidade civil, que diz respeito à responsabilização do dano ambiental. Essa indenização, de acordo com o direito brasileiro, deve ser feita pelo que se chama de teoria do risco integral, ou seja, o agente que causa o dano não tem nenhuma justificativa ; como ocorre em outras hipóteses de responsabilidade ; para não pagar. Não há aquilo que nós chamamos de excludente de responsabilidade, então, desde que o dano decorra da atividade dele, por mais que ele não tenha agido com culpa, por mais que ele tenha tomado todas as medidas preventivas, ele responde. Não há dúvida sobre a responsabilidade civil do agente econômico que causou diretamente o dano, no caso, a Samarco. A discussão maior, principalmente se estivermos diante de um dano extremamente alto, o qual o patrimônio da Samarco eventualmente não seja suficiente para sanar, é saber em que medida as acionistas da joint venture, a Vale e a BHP Biliton, podem responder.

E quais são as opções nesse caso?

Não é uma questão simples, em que a gente possa dizer que automaticamente as acionistas de uma joint venture como essa respondem incondicionalmente por qualquer valor. Da mesma maneira, não podemos acatar o argumento que foi inicialmente sustentado pela Vale, de que é uma mera acionista e não tem responsabilidade. Numa situação como essa, tecnicamente, nós temos o que chamamos no direito societário de um grupo. O grupo, na verdade, são várias sociedades que estão sujeitas a um controle comum. A Samarco não deixa de ser uma controlada de duas outras sociedades. Então, embora ela, do ponto de vista jurídico, seja independente, do ponto de vista econômico não é. Não estou dizendo que seja esse necessariamente o caso, mas, em muitas situações, a sociedade controlada é quase que um departamento da pessoa jurídica. Por isso que, numa situação como essa, é muito complicado se afastar aprioristicamente a responsabilidade do acionista, especialmente do acionista controlador, porque ele tem o poder de comando, é aquele que delibera, que decide. Nós não sabemos as características do caso concreto, mas muitas das providências que foram tomadas com relação a esse dano podem ter decorrido de decisões das controladoras e todos esses aspectos precisam ser vistos.

Que outras punições a Samarco pode sofrer?

Há que se apurar se o dano decorreu também de uma conduta que pode ser considerada infração administrativa ou infração administrativa e crime ambiental. Nessa última, independentemente da questão da indenização, a ideia é também se adotar uma série de medidas para punir os ofensores. A lei do meio ambiente é a única que possibilita inclusive a responsabilização penal da pessoa jurídica, porque o direito penal foi construído partindo da premissa de que, como é muito importante a questão de culpabilidade, somente pessoas naturais ; pessoas físicas ; poderiam agir de forma reprovável. A lei adota, hoje, uma nova ideia. Diante de um mundo em que as pessoas jurídicas têm uma importância cada vez maior, é importante que possamos evoluir para admitir, sim, em algumas hipóteses, que as pessoas jurídicas sejam também punidas penalmente. Independentemente disso, ainda há a esfera de responsabilização administrativa.

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