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Ecossistemas atingidos por lama estão irreversivelmente comprometidos

O inventário dos prejuízos sociais e ambientais ainda está apenas começando, mas, de acordo com especialistas, os ecossistemas atingidos estão irreversivelmente comprometidos



A cena impressiona mais quando ele conta como a lama chegou: quando a enxurrada, que vinha do Rio Gualaxo do Norte, desaguou no Rio do Carmo, seguiu tanto pelo fluxo normal da água quanto no sentido oposto. "A lama avançou contra a correnteza", explica E avançou quase um quilômetro contra a água, até formar uma espécie de represa. Agora, perto de Barra Longa, o rio tem parte do curso desviado para o mato. O que segue é um fio de água ao redor das margens de lama grossa. O rebanho de Rezende está em risco. "As duas nascentes que têm por aqui secaram. Vai demorar uns 10 anos para isso voltar a ser como era."

Talvez demore mais. De acordo com Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dificilmente será possível reverter o impacto da lama na biodiversidade. "Os rejeitos que se acumulam nas margens dos rios formam um sedimento duro, que altera a composição do solo, tornando-o mais compacto. Com isso, as matas ciliares serão afetadas, matando as árvores que não foram carregadas pela enxurrada de lama e abrindo grandes clareiras."

Enquanto isso, segundo Joly, a perda de oxigênio da água condenará a fauna dos rios, afugentando ou dizimando os animais que se alimentavam dela. "Pode ser até que a floresta se recupere, mas vai demorar mais que o tempo de uma vida. Nenhum de nós viverá para ver a vegetação voltar a ser como era."

Pesca

Para quem vive da pesca no Rio Doce, a situação é dramática. O pescador Eli da Silva Soares, o Paco, de 38 anos, percorre de barco parte da região afetada e aponta os peixes que agora flutuam mortos no rio. "Como a gente vai fazer agora? Isso aqui está tudo morto. Vai levar muito tempo para poder pescar de novo", afirmou.

Vivendo em uma vila a 50 metros do rio, no município de Governador Valadares (MG), Paco e sua família conseguiam R$ 1 mil mensais com a pesca. Durante o passeio pelo cenário sem vida, ele e as irmãs Elaine, de 36, e Eliane, de 39 anos, expressam falta de esperança pela recuperação da área. "Isso não vai recuperar nem daqui a cinco anos", diz o pescador.

De cima, a água laranja do Rio Doce parece estática. A lama de rejeitos se move a cerca de 1,2 quilômetro por hora desde o dia 5, quando aconteceu a tragédia, e vai percorrer toda a calha de 853 quilômetros entre o município de Rio Doce, em Minas, até Regência, vila do município de Linhares (ES), onde encontra o Oceano Atlântico. A expectativa é que a onda atinja o oceano neste fim de semana, levando mais problemas de abastecimento a cidades capixabas.

Segundo Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), quando a água poluída do rio chegar ao estuário, a decantação de um sedimento diferente do natural terá impacto intenso na fauna marinha. "Mais turva, a água não deixará passar a luz e impedirá a fotossíntese das algas no fundo, afetando também o plâncton. Esses organismos são a base da cadeia alimentar e sua perda terá impacto em todos os organismos marinhos. Os peixes morrerão ou fugirão, afetando severamente a pesca local. A areia das praias mudará suas características", disse Turra. Segundo ele, cada vez que uma chuva forte atingir o vale do Rio Doce, mais lama endurecida se dissolverá e escorrerá novamente para o mar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.