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Amarildo era a coluna da casa, diz viúva dois anos após o desaparecimento

Recentemente, as investigações levantaram a possibilidade de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) estarem envolvidos no desaparecimento; segundo o MP, o ajudante de pedreiro teria sido levado para a UPP e torturado por policiais

Dois anos após o desaparecimento de Amarildo de Souza, na Favela da Rocinha, na zona sul do Rio, a família do pedreiro convive com a pergunta que se tornou símbolo do repúdio aos desaparecimentos e à violência policial no Rio de Janeiro: "Cadê o Amarildo?". Em 14 de julho de 2013, segundo o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o pedreiro foi levado para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na favela e torturado por Policiais Militares (PMs), que também são acusados de ocultar seu cadáver.

"A justiça está sendo feita, mas a gente não tem resposta nenhuma. É um pesadelo para mim e para os meus filhos. Meu marido sumiu nas mãos dos policiais e até agora não tenho uma resposta da Justiça", cobra a viúva do desaparecido, Elizabeth Gomes da Silva, de 50 anos, que participou de um debate na manhã de hoje (14) sobre desaparecimentos e autos de resistência, no Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro.

"Eles [os policiais] têm que falar. Cadê os restos mortais do meu marido? Eles têm que falar cadê. A gente quer os restos mortais do Amarildo, e eu não vou parar. Vou continuar querendo Justiça."

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A perda do marido de forma violenta e as incertezas sobre o paradeiro de seus restos mortais são, para a mãe de seis filhos, um peso constante: " a gente dorme pensando e acorda pensando. Está fazendo dois anos hoje, e a gente não tira isso da cabeça. O Amarildo era a coluna da casa, era o homem da casa, e agora fiquei com seis filhos, como mãe e pai, então não tem como a gente falar que está bem. A cada dia está pior. É uma dor que é pra sempre e não passa. Pode passar não sei quantos anos, não vou deixar isso impune. Eu quero saber cadê os restos mortais do meu marido".

Advogado da família e presidente do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos, João Tancredo afirma que a família está arrasada com a luta pelas respostas cobradas por Bete: "Amarildo, com toda a sua miséria econômica, protegia aquela família da maneira que ele podia, e isso eles não têm mais. Isso foi muito duro, e a Bete hoje tem grandes dificuldades em decorrência dessa ausência."

Recentemente, as investigações levantaram a possibilidade de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) estarem envolvidos no desaparecimento, o que, para Tancredo, não seria uma surpresa, já que houve relatos disso no início das investigações: "A cada fato que surge nesse caso, a gente descobre mais um envolvimento de uma politica pública. Não só do policial. É uma política pública de guerra," critica.

O delegado da Polícia Civil Orlando Zaccone, que participou dos primeiros 15 dias de investigação do caso, antes que ele fosse assumido pela Divisão de Homicídios, também estava no debate no TJ-RJ e defende que a responsabilização de policiais em casos pontuais não vai solucionar a questão, que, na visão dele, é política pública: "O problema parte de uma política, que em primeiro lugar vem de um proibicionismo das drogas. Quem matou o Amarildo foi a guerra às drogas." Zaccone lembrou que chegou a ser levantada a hipótese de Amarildo ter envolvimento com o tráfico de drogas: "Ser traficante de drogas no Brasil parece que é uma carta que se dá para agentes policiais para a execução."

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, argumentou que é preciso aprimorar a formação policial: "A polícia não vem de Marte. A polícia vem daqui e nasce das nossas contradições. Durante muito tempo, a polícia foi pensada na lógica da guerra, e formada para enfrentar um inimigo. Por isso, o debate da desmilitarização da polícia e do Estado é muito importante", sustenta o deputado, que questiona: "o caso ganhou uma visibilidade enorme porque acontece naquele momento de 2013 em que todas as coisas estavam sendo questionadas. No ano em que o Amarildo desapareceu, foram 6 mil desaparecidos no Rio de Janeiro. Quem eram os outros?"

Ontem (12), o relações públicas da Polícia Militar, coronel Frederico Caldas, considerou que o caso Amarildo deixou lições para as polícias e deve ser lembrado também pelo fato de os culpados serem levados a julgamento: "Qualquer que seja o desfecho desse caso, ele vai ser marcado por um fato lamentável e especialmente por ter sido um processo em que a polícia participou ativamente o tempo todo. Todo o processo de construção de provas, a investigação da Polícia Civil. Todo o processo foi feito com a participação das duas polícias. Se há uma lição a ser tirada é essa lição importante", disse Caldas, ao reconhecer que o processo de pacificação sofreu um abalo e teve sua confiança questionada por causa do desaparecimento. "Não se pode acusar as polícias de omissão e de não investigarem profundamente esse episódio."

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão visitou a sede da UPP, no centro da cidade, e também comentou o caso Amarildo, afirmando que o governo não vai "compactuar com erros": "Já expulsamos mais de 2 mil policiais. A gente não pode julgar a tropa de elite [Bope] por seis pessoas [suspeitas de terem participação]", disse o governador ao destacar que houve queda nos índices de criminalidade no primeiro semestre deste ano: "Foram seis meses de redução em todos os índices."

Ao lado do governador, o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, defendeu o trabalho da corregedoria da PM, que está investigando o envolvimento de policiais do Bope em sigilo. "É uma vida que se foi, e isso é muito ruim para todos nós. Temos esse incidente triste, mas temos muito mais coisas positivas do que negativas. O índice de homicídios dentro da UPP baixou 72%. Se olhar a letalidade policial dentro da UPP, baixou 75%. São dados inclusive reconhecidos pela própria Organização das Nações Unidas."