Jornal Correio Braziliense

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Depois de garantir acesso à terra, xavantes pedem mais atenção à saúde

Quem trabalha com essa população percebe as dificuldades enfrentadas não só pelo povo Xavante, mas de outras tribos também

Há dois anos, terminava em Mato Grosso o processo de desintrusão (retirada de não índios) que permitiu a volta dos índios xavantes para a terra da qual saíram na década de 1960. Hoje, quem vive na Terra Indígena Marãwaitsédé enfrenta outras dificuldades. Em entrevista exclusiva à equipe da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o cacique Damião Paridzané relatou que a população sofre com a falta de assistência à saúde.

;Eu, como cacique, já cobrei muito. Esse recurso que o governo repassa para o Ministério da Saúde foi para onde? Todo mês morrem 20, 30 na área indígena. Cadê o atendimento da saúde? Cadê a recuperação da saúde do índio;, questiona.

O cacique conta que, em outubro passado, as vítimas foram quatro crianças. ;É uma tristeza. Quem cuida da saúde do índio fala que é desnutrição, mas tem também o outro lado que é a falta de atendimento à saúde, falta de tratamento especial.; Segundo o cacique, na aldeia, faltam medicamentos e equipamentos básicos.

[SAIBAMAIS]Quem trabalha com essa população percebe as dificuldades enfrentadas não só pelo povo Xavante. O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber César Buzatto, explica que a deficiência na atenção à saúde ocorre de forma generalizada. ;É uma deficiência estruturante por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que tem apresentado uma série de problemas de gestão da política de atenção à saúde indígena que reflete, infelizmente, na falta de assistência, na falta de medicamentos e na falta de estrutura para transporte. Isso, no caso de Marãiwatsédé, é perceptível.;

Criada em 2010, a Sesai é ligada ao Ministério da Saúde e é o órgão responsável pela atenção aos índios. Para o cacique, o problema não é causado pela falta de dinheiro, mas pela má gestão. ;Não é o governo que temos que culpar. A culpa é de quem trabalha dentro. O governo repassa recurso para o povo que não é índio e para o indígena também, mas quem cuida da saúde do índio só culpa a falta de recurso. Isso é mentira. A gente conhece;, diz Damião.

O coordenador-geral da organização indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan), Ivar Busatto, acredita que a prestação de serviços em saúde tem melhorado, mas ainda há muito o que fazer. Para ele, falta adaptação do modelo de saúde à realidade de vida do índio e uma melhor preparação das equipes de atenção. Para o coordenador, muitos problemas poderiam ser evitados com diálogo.

;Na maioria dos casos não tem o preparo necessário e não é culpa do funcionário. Era necessário alguém que pudesse intermediar um diálogo com a comunidade e formar equipes que se dedicassem a aprender mais sobre os costumes, o jeito de educar xavante, a compreender melhor o tratamento com as crianças, com os velhos e assim por diante;, destacou.

Outra crítica do cacique Damião é a possível criação de uma nova estrutura do governo para cuidar da saúde indígena. ;Para quê todo ano fazer mudança? Não melhora. A Funai [Fundação Nacional do Índio], quando cuidava da saúde do índio, melhorava muito. População aumentou e até os velhos mais antigos viviam. Hoje, a população de idosos vem diminuindo por falta de tratamento. E agora querem passar a saúde do índio para instituto;, indaga.

No ano passado, o Ministério da Saúde apresentou a proposta de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi). De acordo com informações do site do ministério, o projeto tem o intuito de modernizar a gestão da área como braço operacional da Sesai. Segundo Cleber Buzatto, muitos povos e organizações indigenistas questionam a criação do instituto, inclusive o Cimi. ;Na nossa avaliação, em vez de enfraquecer a estrutura do Estado, no caso a Sesai, que tem a responsabilidade de prestar o atendimento, poderia reforçar [o quadro] fazendo concursos e adequando o órgão para prestar o serviço com qualidade para os povos indígenas.;

Para o coordenador da Opan, o debate sobre a nova estrutura precisa ser maior. ;Tem pessoas a favor e tem muita gente que se posiciona contra e se posiciona contra pela forma como foi encaminhado, foi de uma hora para outra, pouca discussão para os conselhos distritais de saúde, o controle social indígena.;

Para melhorar a vida em Marãiwatsédé, a população tem investido no reflorestamento e na plantação. ;O governo ajudou a fazer a plantação das mudas para reflorestar. Junto com a Funai, estamos trabalhando, plantando mudas de banana, de pequi, de frutas para recuperar a mata;, conta o cacique.

;O que se observa é que, com a melhoria das condições alimentares, com o tempo mais tranquilo para o cuidado com as roças e com as caçadas, pescarias e coletas que o povo xavante faz normalmente, a tendência é que o número de problemas com desnutrição diminua. Com alguma melhora que a Sesai ofereça, a perspectiva dos índios deve melhorar;, acredita o representante da Opan.

A Agência Brasil procurou a Sesai para obter respostas às críticas dos xavantes e das organizações indigenistas sobre falta de estrutura e medicamentos. Por e-mail, a assessoria do Ministério da Saúde disse que o Distrito Sanitário Especial Indígena Xavante é o responsável pelo atendimento da população de Marãiwatsédé.

Segundo a assessoria, a aldeia conta com um posto de saúde equipado com cadeira odontológica fixa, duas viaturas para transporte de pacientes e uma unidade odontológica móvel que faz parte do projeto Brasil Sorridente. Para assistir a população do local, a Sesai disponibiliza ainda uma equipe multidisciplinar de saúde indígena composta por um médico, dois enfermeiros, três técnicos de enfermagem, um dentista, um auxiliar de saúde bucal e um agente indígena de saúde.

O ministério informa que, no ano passado, foram investidos R$ 669 mil em materiais farmacológicos e R$ 28,4 mil em materiais hospitalares. Ainda segundo o governo, a aldeia de Marãiwatsédé recebeu o equivalente a R$ 427 mil em medicamentos.