Mato Grosso ; Madrugada adentro, duas camionetes 4x4 do Ibama percorrem as pequenas estradas de barro do norte motogrossense. Na pegada da estação chuvosa, fim de novembro, os veículos ; locados a R$ 5 mil mensais cada ; vencem facilmente os ramais lamacentos da região conhecida como Portal da Amazônia. No dia anterior, 27 metros cúbicos de madeira de lei, sem documentação, haviam sido apreendidos pelas mesmas equipes no município de Nova Bandeirantes. O objetivo da empreitada noturna é verificar a persistência de outros toreiros, como são conhecidos os caminhões que carregam os gigantescos troncos extraídos da floresta.
Depois de horas de expedição, as equipes param na única pousada de Paranorte, distrito do município matogrossense de Juara. Ao amanhecer na comunidade, os cerca de mil habitantes já estavam alertas quanto à chegada da nuvem de gafanhotos ; os fiscais de uniforme verde da autarquia federal. Na porta de cada uma das seis serrarias locais, à espera de uma possível batida, homens trajando camisas sociais impecavelmente limpas destoavam das vestes mais simples de boa parte do resto da população. Não foi daquela vez.
[SAIBAMAIS]A chegada da fiscalização é o pesadelo de qualquer serraria. O empreendimento é fechado por semanas, enquanto cada tora, cada tábua é medida. Se as medições não estiverem de acordo com a quantidade ;virtual; autorizada pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente, o negócio pode ser multado ou até mesmo fechado. Para não serem pegos, muitos empresários recorrem ao esquema que cria a madeira esquentada, ou a ;falsa legal;. A fraude é o tema do primeiro dia da série ;As agressões contra a floresta;, iniciada hoje pelo Correio, que mostrará por que a Amazônia, colonizada há poucas décadas, encolhe a olhos vistos.
O esquema começa no pedido de autorização para a extração das toras. Com medidas superestimadas das árvores a serem abatidas, os madeireiros têm créditos virtuais ;de sobra; para colocar na legalidade a madeira extraída ilegalmente, das próprias áreas de manejo autorizadas, ou mesmo de terras indígenas e até de unidades de conservação. Depois, já nas serrarias, as fraudes continuam. Mesmo empreendimentos sem maquinário moderno alegam obter índices extraordinários de aproveitamento das toras, ao cortá-las na forma de pranchas, tábuas ou caibros. Com isso, é possível transformar os troncos ilegais em madeira serrada legal.
Embora o ;esquentamento; seja conhecido há alguns anos, a fraude se mantém como um ótimo negócio. Ao cruzarem com caminhões carregados com toras ou tábuas, em campo, as equipes do Ibama não conseguem atestar a legalidade da papelada apresentada. Nas serrarias, quando informantes alertam para a chegada da fiscalização, é grande a correria para arrumar os documentos que faltam, e começa um troca-troca dos créditos que estão ;sobrando; de cada tipo de madeira.
A equipe viajou a convite das ONGs Andi (Comunicação e Direitos) e Clua (Climate and Land Use Alliance)