Jornal Correio Braziliense

Brasil

Estiagem prolongada atinge represas naturais e artificiais em Minas Gerais

Onde antes havia água, hoje está tudo seco e em alguns locais há até fogo provocado por gases naturais

A sensação de quem passa pela Lagoa Grande, distante 7 quilômetros do Centro de Sete Lagoas, na Região Central de Minas, é de que abriram uma espécie de ralo e que toda água está indo embora. De tão rasa, os pescadores só faltam pegar os peixes com as mãos. A margem se distanciou mais de 500 metros da original e o chão, de tão rachado, permite caminhar entre os torrões. Na Lagoa Boa Vista, que fica no Centro da cidade e que é uma das sete que deram o nome ao município, a empresa de pedalinhos está fechada há um mês. Os barcos em forma de cisne estavam encalhando onde antes era a parte mais profunda. Na Lagoa do Matadouro, também conhecida como Vapabuçu, que é o nome original da cidade, e que significa terra de muitas lagoas na língua indígena, 90% da água desapareceu. Da lagoa, o que brota é fogo, de vez em quando. São incêndios subterrâneos causados pela queima do gás produzido pelo material orgânico acumulado.

A situação também não é boa em outras lagoas que estão secando com o longo período de estiagem e altas temperaturas que castigam o estado. Muitas delas, que deram nomes às cidades, estão com o nível da água até 4 metros abaixo do normal. Em Lagoa Formosa, no Alto Paranaíba, a lagoa nunca teve um volume tão baixo. As nascentes secaram e a prefeitura decretou o racionamento de água, que chega às casas três vezes por semana, das 6h às 18h.

[SAIBAMAIS]Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a redução do volume de água preocupa vizinhos de muitas lagoas. Em Nova Lima, duas delas praticamente secaram, a da Codorna e a do Miguelão, onde funcionam, desde o início da década de 1920, duas pequenas hidrelétricas para produção de energia da antiga Mineradora Morro Velho, agora AngloGold Ashanti.
Na Lagoa dos Ingleses, ainda em Nova Lima, os barcos maiores do Iate Clube dos Ingleses, no Condomínio Alphaville, às margens da BR-040, saída para o Rio de Janeiro, já não podem mais ser colocados ou retirados da água. As rampas de acesso, por onde as embarcações são transportadas em carretinhas, estão até 16 metros distante da água e há muita lama. Em alguns pontos, a água está distante 60 metros de onde os barcos ficavam ancorados. ;A lagoa nunca esteve tão baixa como agora. Vamos aumentar o tamanho das rampas já pensando em outras secas futuramente;, disse o diretor do clube, Lannis Garcia.

O gerente de manutenção do clube, Gilvan Gomes Ribeiro, responsável por colocar e retirar os barcos da água, conta que só consegue transportar as embarcações menores. Ele mostra o terreno onde antes havia água e que agora está todo rachado por causa da seca. ;A terra cedeu e surgiram trincas na sauna e no piso da piscina;, disse Gilvan. ;Em 13 anos que trabalho aqui, nunca vi uma situação como essa;, comentou Gilvan, lembrando que várias nascentes que abastecem a Lagoa dos Ingleses secaram. ;O que enche a lagoa são as chuvas. Quando chove, a água fica minando da terra por até quatro meses, mas há muito tempo não sai nada;, lamenta.

O secretário municipal de meio ambiente de Nova Lima e ex-presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, conta que não há nenhuma lagoa em Minas em situação confortável. Ele informa que Nova Lima tem um levantamento de dados pluviométricos desde 1855, feito pela antiga mineração Morro Velho, que precisava de água para atividades de mineração e produção de energia. ;Se não houver um período de chuva muito acentuado em novembro e dezembro, 2014 será um dos três anos mais secos em 150 anos em Nova Lima;, disse o secretário. ;A gente está rezando para que haja uma recuperação agora no fim do ano. Com esse período seco tão grande, que vem desde março, Furnas, Três Marias, nascentes dos rios São Francisco e Grande e as lagoas daqui, tudo está tudo muito seco, numa situação muito difícil, mesmo;, disse o secretário.

LAGOS ARTIFICIAIS


Messias explica que as lagoas do Miguelão, das Codornas e dos Ingleses são artificiais, construídas no início do século 20 pela Morro Velho para o sistema de geração hidrelétrica Rio do Peixe. ;São pequenas centrais hidrelétricas que fornecem energia ainda hoje. Eles retiram um pouco da água do Córrego do Rio do Peixe e um pouco do Ribeirão de Macacos. As três lagoas funcionam como sistema de reserva. Na estação seca, a das Codornas baixa muito por ser a primeira a ser usada;, disse o secretário.

Segundo ele, a mineradora gera 35% da energia elétrica que consome. ;Há um acordo deles com a cidade de não deixar baixar muito a Lagoa dos Ingleses, por ser um cartão-postal. Tem uma cota que eles se comprometem a não baixar. A paisagem é muito bonita;, comenta o secretário, ressaltando que os incêndios florestais agravam a seca. A AngloGold Ashanti afirmou que, devido à estiagem, reduziu a produção de energia. ;Uma parte das lagoas dos Ingleses, das Codornas e do Miguelão está defasada. A empresa continua o monitoramento e não existe a possibilidade de as lagoas secarem completamente;, informou.

Em Lagoa Santa, o nível da lagoa central também sofre com o longo período de estiagem. A dona de casa Maria das Dores Carvalho, de 59, costuma pescar no local e percebe que cada vez mais a água se afasta do barranco onde antes ela ficava sentada com a vara de pesca. ;Nunca vi essa lagoa tão seca. É de cortar o coração;, lamentou. A lagoa é natural, segundo a prefeitura, e foi instalado um vertedouro que mantém o nível da água bem próximo ao que era antes. ;A pequena baixa é ocasionada pela ausência de chuvas por um grande período;, informou a administração municipal. Em Lagoa dos Patos, Norte de Minas, a lagoa está 3 metros abaixo do normal e caminhões-pipa reforçam o abastecimento nas casas.