O golpe militar de 1964, que instituiu a ditadura no Brasil, afetou drasticamente a rotina no campus da Universidade de Brasília (UnB) - um dos principais palcos de resistência do movimento estudantil ao governo militar em Brasília - relembrou nesta sexta-feira (26/09), em depoimento à Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, o professor e jornalista Aylê Salassié Filgueiras Quintão.
Para ele, que confeccionou panfletos, jornais, participou ativamente da resistência e chegou a ser preso pelo regime, a UnB passou a ter uma "atmosfera sombria; há 50 anos. ;O campus foi invadido e houve debandada geral com a presença efetiva da polícia na UnB. Foram tempos sombrios, as aulas foram suspensas e o campus se tornou quase um território ocupado;, disse Salassié.
Em pouco mais de 20 minutos de depoimento, ele falou em lembranças de um momento da história que diz não acreditar ter participado. ;Éramos ousados. O movimento estudantil foi uma escola. Aprendi mais nele do que na própria universidade;, resumiu. Salassié teve participação direta na Federação dos Estudantes da UnB e conviveu com Honestino Guimarães, um dos três estudantes da universidade mortos pela ditadura.
A socióloga Sônia Hypólito, hoje com 68 anos, também vivenciou a repressão militar ao movimento estudantil na UnB. Ela, que no auge da ditadura deixou Brasília para morar no Rio de Janeiro - onde ingressou na resistência armada ao golpe no grupo Ação de Libertação Nacional (ALI) - se emocionou ao lembrar da amiga Ieda Delgado, morta pelo regime, cujo corpo nunca foi localizado.
;Tinha uma grande amiga em Ieda Santos Delgado, e juntas fomos crescendo na militância. Nos separamos [quando fui para o Rio de Janeiro], cada uma seguiu sua militância. Ela foi brutalmente assassinada, já foi homenageada aqui [na UnB], mas não poderia deixar de falar dela. A mãe da Ieda passou a me responsabilizar pela morte dela, que foi eu que coloquei política para ela. Eu sei que não fui [a responsável pela morte], mas, no fundo, sei que fui. Quem matou a Ieda foi a ditadura militar;, disse Sônia, sem conter as lágrimas.
Com olhar distante, como se tentasse reconstruir na memória a realidade vivida há cinco décadas, Sônia, pediu desculpas algumas vezes aos membros da comissão por não recordar detalhes. ;Era uma forma de nos proteger. Fazíamos encontros e pouco tempo depois apagávamos aquilo da memória, porque qualquer coisa que disséssemos [à polícia] poderia significar a vida de alguém;, disse.
Das lembranças, Sônia Hypólito relatou sobre uma das invasões do Exército à UnB. ;A chegada à UnB era terrível. Caminhões do Exército na universidade, um regime de terror que em nada derrubava a nossa vontade, a obstinação de estar lutando contra aquilo;, recordou. ;A gente fazia política em sua essência. Não era festa. Com todas as limitações, era política o que fazíamos;, acrescentou.
;São personagens importantes para a história da resistência à ditadura na Universidade de Brasília. Todo o depoimento que traga informações para a gente de como atuava a repressão e de como se organizava a resistência a essa repressão é muito importante. Acho que os depoimentos trouxeram várias informações que alimentam o nosso relatório;, disse à Agência Brasil o coordenador de pesquisa da comissão, José Otávio.
Professor do Departamento de História da UnB, ele disse que o relatório final da comissão será entregue em 21 de abril de 2015, dia em que a universidade completará 52 anos. ;Queremos fazer uma reparação simbólica sobre as violações dos direitos humanos cometidos na UnB;, concluiu.