A Comissão Nacional da Verdade (CNV) vai sugerir ao Ministério da Defesa a criação de uma comissão específica para buscar os prontuários de presos políticos, no governo militar, atendidos no Hospital Central do Exército (HCE), em Benfica, zona norte do Rio de Janeiro.
[SAIBAMAIS]De acordo com Paulo Sérgio Pinheiro, da CNV, a ideia surgiu em reunião na tarde de hoje (23) com a presença de membros da Comissão Estadual da Verdade, parentes de presos mortos no hospital, representantes do Ministério da Defesa, o comandante da Primeira Região Militar, general Carlos Alberto Neiva Barcelos, e o diretor-geral do HCE, general Victor César Furley dos Santos.
;É um grupo de trabalho que está sendo proposto ao ministro da Defesa, [Celso Amorim]. Foi a solução encontrada ao final de duas horas de reunião. É um grupo de trabalho envolvendo o Hospital Central do Exército, cuja formação vai ser decidida pelo ministro. Do diálogo, surgiu a proposta;, disse ele.
Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, o grupo de trabalho pode avançar na questão, chegando aos prontuários ou, pelo menos, a ;uma explicação razoável de porque eles sumiram;, já que em pedidos anteriores foi informado que os documentos não foram encontrados. Dallari pondera que, mesmo que não dê tempo de incluir essas informações no relatório final da comissão, a ser entregue no dia 16 de dezembro, colher documentos é importante para a sociedade.
;Eu não tenho ansiedade, porque o importante é que a gente tente conseguir o máximo de informações para que ainda possam ser aproveitadas no relatório, mas eu não descarto a relevância de deixarmos um legado, de deixarmos documentos, informações, que serão depois exploradas pelos jornalistas, pela universidade, por outras comissões. Vai ser tudo disponibilizado no Arquivo Nacional, inclusive o que estiver em andamento;, acrescentou.
Outra parte da visita de hoje ao HCE foi uma vistoria no hospital, da qual participaram vítimas de tortura, peritos da CNV e parentes de Raul Amaro Nin Ferreira, que sofreu tortura no HCE e morreu no local. A integrante da CNV Rosa Cardoso explica que o laudo sobre o reconhecimento dos locais de tortura deve demorar para ficar pronto, porque o prédio passou por muitas reformas.
Segundo ela, ;o grupo da diligência está chegando à conclusão que não será possível fazer um laudo a partir das visitas de hoje, porque vamos precisar de plantas, porque houve reformas significativas, relevantes, no prédio que funciona o hospital;.
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A ex-presa política Ana Miranda, que participou da diligência, relata que o HCE era utilizado para ;dar um descanso; aos torturados, para eles se recuperarem o suficiente para continuar com os interrogatórios. ;Eu vim do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna], tinha espasmos constantes, por causa dos muitos choques elétricos, não parava de ter espasmos e não urinava, ou urinava pouco com sangue. Então eles me mantiveram aqui uma semana, em agosto de 1970, eu fiquei dopada, tomava quatro remédios por dia, ficava com a língua enrolada, dopada, e voltei para o DOI-Codi. Quer dizer, tratamento renal nenhum, tanto é que depois eu tive que ser submetida a duas cirurgias e perdi um rim;.
Sobrinho de Raul Amaro, Felipe Carvalho Nin Ferreira também participou da diligência e formalizou um pedido ao HCE para que os prontuários sejam entregues para a família. ;Nós identificamos a 13; enfermaria, que foi onde o Raul ficou preso, mas não é possível ter certeza se ela mudou de local. Agora, o mais importante foi formalizar o pedido pelos prontuários do Raul Amaro, que já foram negados, e que, diante das provas de que o Raul foi torturado aqui, os prontuários são uma informação decisiva. E o fato deles negarem, ou não localizarem, é de certa forma uma confissão, né?;