Jornal Correio Braziliense

Brasil

Insatisfação persiste, mas brasileiros querem aproveitar Copa do Mundo

Maioria vestiu a camisa verde e amarela e torceu pela seleção que venceu a Croácia por 3 a 1

Rio de Janeiro- As manifestações convocadas na quinta-feira para a abertura da Copa do Mundo atraíram poucos brasileiros, porque uma maioria silenciosa quer aproveitar o torneio, mas a insatisfação geral persiste, segundo analistas. As imagens dos confrontos a poucas horas do início do Mundial percorreram o mundo: a polícia usando gás lacrimogêneo e disparando balas e borracha, enquanto manifestantes respondiam com pedras e garrafas.

Mas, no total, apenas cerca de 5.000 pessoas aderiram aos protestos em metade das 12 cidades-sede, número considerado pequeno em um país com 200 milhões de habitantes. A maioria vestiu a camisa verde e amarela e torceu pela seleção que venceu a Croácia por 3 a 1. A situação deste início de Copa é diferente da de junho de 2013, quando mais de um milhão de brasileiros foram às ruas para, entre outras pautas, criticar os gastos da Copa, pedindo que esse dinheiro fosse investido em hospitais, escolas e no transporte público.

- Apoio à seleção -

Da mesma forma que Milene Souza, de 20 anos, a maioria pensa que "este não é o momento para fazer manifestações". "Temos que nos expressar nas urnas, em outubro, nas eleições", afirmou a jovem à AFP, enquanto assistia à partida na "Fan Fest", evento promovido pela Fifa na praia de Copacabana.

"Essas manifestações me incomodam. Dizem que tudo o que o governo faz é ruim. Se tem Mundial, reclamam, se não tem, reclamam também. Mas o que fazem de positivo, de útil?", questiona Arturo Domingues, morador de rua. Aos 36 anos, Domingues passou nove na Inglaterra como trabalhador clandestino, mas agora vive no Centro do Rio de Janeiro.

"A maioria deles pede melhor saúde e educação, mas não querem pagar impostos", reclama, apontando para os vendedores ambulantes. Em Copacabana, durante a partida inaugural do evento era enorme a diferença entre o pequeno grupo de manifestantes e os 20.000 torcedores na Fan Fest. O grupo de ativistas vibrou com o primeiro gol da Croácia, diante dos torcedores consternados. Já o empate do Brasil provocou uma explosão de alegria na multidão, e xingamentos à Copa por parte dos manifestantes, que foram prontamente rebatidos.

- Mudança em relação a 2013 -

"O único ponto em comum entre junho de 2013 e hoje é a presença dos black blocs", explica o sociólogo José Augusto Rodrigues, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O movimento ;black bloc; começou na Alemanha, nos anos 80. Os manifestantes que seguem esse movimento adotam táticas semelhantes de protesto, que invariavelmente terminam em em confrontos com a polícia e depredação.

"Assistimos à volta às ruas dos movimentos mais tradicionais, como os sindicatos, que se aproveitam da vitrine do Mundial" para pedir melhores salários, acrescenta. Na opinião do professor, o lema "Não Vai ter Copa" não reflete os protestos de 2013, que expressavam uma insatisfação generalizada contra a má qualidade dos serviços públicos, a corrupção na classe política e os gastos excessivos com a Copa.



Os métodos violentos dos black blocs interromperam a mobilização espontânea, feita por meio das redes sociais, de uma classe média desorganizada politicamente que se manifestava pela primeira vez nas ruas. "Tiveram medo da violência", considera Rodrigues. Aproximadamente 300 intelectuais brasileiros assinaram recentemente um manifesto criticando protestos que obstruíam vias públicas e defendendo o direito à livre circulação.

Para Ignacio Cano, também da Uerj, a fraca mobilização atual acontece devido a quatro fatores: o cansaço depois de um ano de manifestações, o afastamento causado pela violência, o fato de a Copa do Mundo ser mais importante do que a Copa das Confederações e a saturação em decorrência dos engarrafamentos causados por greves e protestos. Mas o mal-estar de 2013 contra a corrupção e a Fifa persiste. "O circo do futebol foi desmontado", avalia Cano. "As manifestações causaram um avanço na cultura política do país. No momento são pequenas, mas isso pode mudar devido à repressão policial, como no ano passado", conclui.