Jornal Correio Braziliense

Brasil

MP vê indícios de limpeza social nas ruas do Rio para a Copa do Mundo

Além da superlotação de abrigos, o MP constatou falta de medicamentos para tuberculose, o compartilhamento de lâminas de barbear e problemas de pele causados por percevejos nos colchões

A superlotação de um abrigo para população em situação de rua no Rio de Janeiro pode estar relacionada à Copa do Mundo, de acordo com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ). Nesta terça-feira (10/6), o órgão revelou o descumprimento de decisão judicial de abril que limitava o número de pessoas no Abrigo Municipal Rio Acolhedor, em Paciência, na zona oeste. O local tem capacidade para 150 pessoas e está atualmente superlotado, com 463 abrigados em condições insalubres.

A vistoria que constatou o aumento do número de abrigados foi feita dia 5 de junho pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Cidadania (CAO Cidadania) do MPE. Segundo a promotora do caso, Patrícia Villela, a prefeitura foi orientada a não encaminhar mais pessoas para o abrigo e regularizar a superlotação imediatamente. A medida era ainda uma tentativa de impedir a ;higienização da cidade;, a retirada de pessoas das ruas, às vésperas do mundial, segundo o MP.

;Acho que a [higienização] é uma inferência possível. Existe incidência da população de rua na zona norte, mas a maioria dos encaminhados [para o abrigo] estão vindo do centro, da zona sul e do Maracanã;, informou Patrícia, refererindo-se a regiões que concentram os pontos turísticos do Rio. De acordo com censo da Secretaria Municipal de Assistência Social, a cidade tem 5 mil pessoas nas rua e vagas para 2 mil em abrigos. Procurada para comentar a denúncia, a prefeitura não retornou.



Além da superlotação, na vistoria, o MP constatou falta de medicamentos para tuberculose, que coloca em risco quem convive com os pacientes, o compartilhamento de lâminas de barbear e problemas de pele causados por percevejos nos colchões. No abrigo também foram encontradas ;baratas e outros vetores; no mesmo local em que alimentos são preparados para consumo. ;Vamos ter que voltar à Justiça;, frisou Patrícia. ;Este abrigo é um depósito de gente;.

O recolhimento de pessoas quem vivem nas no Rio de Janeiro também preocupa o Movimento Nacional da População de Rua. O representante e agente social Maciel da Silva avalia que ações da Guarda Municipal tem aumentado nas últimas semanas. ;Tenho visto claramente que tem havido esvaziamento dos espaços que a população frequenta por conta dessa higienização ;, disse, mais cedo, em seminário sobre o tema, no MP-RJ.

O movimento condena o recolhimento compulsório, sobretudo em locais insalubres como Paciência. Maciel citou como exemplo do recolhimento contra a vontade das pessoas o dado apresentado pelo próprio Ministério Público estadual, de que os abrigados passam de dois a três dias na unidade e depois voltam para as ruas. ;Isso é uma prova de que não queriam ir para lá;.

Integrante do Fórum Permanente sobre População Adulta em Situação de Rua do Rio de Janeiro, Jorge Munhoz, que participou do evento, também criticou a limpeza da cidade e a situação em Paciência. ;O melhor a se fazer seria fechar;, disse. O fórum cobra atendimento para resgatar quem está nessas condições. ;Ninguém mora na rua porque gosta. A pessoa perdeu todos os laços;.

Para garantir que a prefeitura do Rio cumpra a decisão da Justiça e resolva os problemas no Rio Acolhedor, o MP informou que já entrou também com ação de improbidade administrativa contra gestores e cobra multa mais alta para o descumprimento da liminar. Com a medida, a promotora explica que a Justiça pode estipular até a prisão dos responsáveis.