Jornal Correio Braziliense

Brasil

Mortes e ocupações de fazendas chamaram a atenção para questão indígena

Diante do impasse, o governo federal e o Congresso Nacional passaram o ano anunciando medidas para tentar encontrar uma solução para a disputa

Brasília - Em 2013, o assassinato de índios e a ocupação de fazendas por comunidades indígenas que reclamam o direito à parte das terras antes ocupadas por seus povos voltaram a atrair a atenção de brasileiros e da imprensa internacional para a questão indígena e os conflitos fundiários. Diante do impasse, o governo federal e o Congresso Nacional passaram o ano anunciando medidas para tentar encontrar uma solução para a disputa.

Medidas como a proposta de consultar outros órgãos de governo além da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a demarcação de terras indígenas foram criticadas por lideranças indígenas e entidades indigenistas e questionadas por organizações de produtores, como a Sociedade Brasileira Rural e a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul). Em alguns casos, tornaram ainda mais tenso o ambiente, contribuindo para produzir cenas de parlamentares correndo assustados enquanto índios protestavam tomando o plenário da Câmara ou de seguranças do Palácio do Planalto trocando socos e empurrões com índios.

Outras iniciativas, como a Portaria n; 303, com a qual a Advocacia-Geral da União (AGU) procurava estender para todos os processos demarcatórios as 19 condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o caso da Raposa Serra do Sol, também motivaram protestos de indígenas. A portaria perdeu a validade após a Corte decidir que as regras só se aplicam ao caso julgado em 2009, não podendo ser automaticamente aplicadas a outros processos. Apesar da decisão, a AGU ainda não anunciou a revogação definitiva da portaria, suspensa desde setembro de 2012, devido aos protestos.

[SAIBAMAIS]Outra medida que continua causando polêmica é a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Congresso a prerrogativa de demarcar terras indígenas. Após muitas idas e vindas, a comissão parlamentar especial que vai debater o tema foi instalada no início de dezembro, sob protesto de índios e entidades indigenistas e aplausos da bancada ruralista. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, se manifestaram contrários à medida, por eles classificadas de inconstitucional. Durante o Fórum Mundial de Direitos Humanos, Maria do Rosário chegou a pedir apoio na luta para convencer parlamentares a votarem contra a PEC 215.

Durante o ano, a Fundação Nacional do Índio (Funai) reconheceu sete novas terras indígenas. Localizadas no Amazonas, na Bahia, no Ceará, em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Os territórios totalizam 76,5 mil hectares. Ainda é necessário que a Presidência da República homologue a decisão para que as comunidades tenham o efetivo direito ao usufruto das terras. Em 2013, no entanto, a Presidência homologou uma única demarcação de área delimitada em anos anteriores. O decreto publicado em abril legitima o direito dos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká à Terra Indígena Kayabi. Localizada entre Apiacás (MT) e Jacareacanga (PA), a reserva tem 1.053 milhão de hectares. Um hectare corresponde a 10 mil metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol oficial. O governo do Mato Grosso recorreu ao Supremo Tribunal Federal e, alegando que o governo federal declarou como indígenas terras que pertenciam ao estado, conseguiu paralisar o processo.

Ainda em Mato Grosso, após uma disputa judicial de quase 15 anos, o governo federal conseguiu retirar todos os não índios da Terra Indígena Marãiwatsede. A reserva de cerca de 165 mil hectares foi homologada em 1998. Executada sem registro de feridos, a operação de desintrusão foi considerada um sucesso por representantes do Executivo federal. Ainda assim, antigos posseiros e trabalhadores rurais voltaram a invadir a área menos de três meses após serem expulsos. Alegando não ter para onde ir, o grupo cobrava que o Incra o transferisse para locais onde pudesse plantar e colher. Os ânimos voltaram a se acirrar e, mais uma vez, PF e Força Nacional foram acionadas para garantir que todos os não índios deixassem o local.

No segundo semestre, a iminência de um confronto violento entre índios e produtores rurais deslocou o foco da atenção para a região sul da Bahia. Na área conhecida como Serra do Padeiro, índios, a maioria deles da etnia Tupinambá, ocuparam propriedades rurais que alegam terem sido instaladas em ;território sagrado;. Os índios exigem a conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, de 47.376 hectares, delimitada pela Funai em 2009.

Leia mais notícias em Brasil

O foco maior do conflito é a cidade de Buerarema, próxima a Ilhéus, a cerca de 462 quilômetros de Salvador. Mesmo após a chegada da Força Nacional, casas foram incendiadas e prédios públicos depredados. Em setembro, um índio foi baleado em uma das fazendas ocupadas. Apenas dois dias depois, três professores e um motorista do Instituto Federal da Bahia foram agredidos por um grupo de manifestantes que protestava contra as ocupações de propriedades rurais do sul do estado. Dias antes, um trabalhador rural foi baleado durante a ocupação indígena a uma fazenda.

As manifestações indígenas também atingiram os canteiros de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA). Somados todos os protestos, principalmente os da etnia Munduruku, as atividades tiveram que ser interrompidas por 11 dias em um dos três canteiros. A principal exigência dos indígenas era a suspensão de todos os empreendimentos hidrelétricos na Amazônia até que as comunidades tradicionais fossem consultadas, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada pelo país em 2004.

O assunto vem sendo discutido em reuniões públicas promovidas pela Secretaria-Geral da Presidência da República, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Fundação Palmares, mas não poucas vezes o processo foi criticado por lideranças indígenas e por organizações como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).