Após quase seis horas de depoimento, acabou por volta das 19h40 o depoimento do tenente-coronel Salvador Modesto Madia no julgamento do Massacre do Carandiru. Com isso, o juiz decretou um intervalo de 45 minutos antes de reiniciar os trabalhos, com a leitura de peças e a apresentação de vídeos. Amanhã (2) estão previstos os debates entre a defesa e os promotores e a decisão dos sete jurados.
Madia é um dos 25 policiais e ex-policiais militares da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) que são acusados pela morte de 73 detentos que ocupavam o terceiro pavimento (ou segundo andar) do Pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção Carandiru. Em 1992, quando ocorreu o massacre, Madia era tenente da Rota.
Durante o depoimento, o tenente-coronel negou que ele ou a sua tropa sejam responsáveis pelas mortes dos detentos. ;Sei que nós não fizemos [não matamos];, disse. Os 25 policiais se dizem inocentes pelas mortes dos detentos e insistem na tese de que houve a necessidade de invasão da Polícia Militar no local. Dos 25 policiais acusados, cinco prestaram depoimentos e todos falaram que houve confronto entre policiais e presos, que culminou em mortos e feridos. Outros 18 se mantiveram em silêncio e dois deles não acompanham os trabalhos do júri porque estão doentes.
No dia do massacre, disse Madia, ele chegou ao presídio carregando um revólver e uma metralhadora. Ao entrar na penitenciária, ouviu muitos gritos, barulhos e estampidos. E lembrou ter feito alguns disparos, mas não soube precisar quantos. Segundo ele, a situação no presídio, naquele dia, foi extremamente tensa, ;a maior adrenalina que já passou na vida;.
Durante interrogatório feito por promotores e por sua advogada de defesa, Ieda Ribeiro de Souza, o tenente-coronel comentou também sobre o período em que comandou a Rota, entre novembro de 2011 e setembro de 2012. Na época em que esteve no comando da Rota, a tropa de elite de São Paulo matou 48 pessoas entre janeiro e junho de 2012, segundo números da Ouvidoria da Polícia. O número representou aumento de 20% em comparação a igual período do ano anterior.
Segundo Madia, as pessoas só falam do aumento do número de homicídios, mas se esquecem de que, no período em que comandou o órgão, houve um grande número de apreensões de drogas e de armas. ;Batemos, literalmente, de frente com o crime organizado. De verdade. Fizemos inúmeras apreensões, mas só se fala do número de letalidade;, disse.
Madia também falou do apreço que a população de São Paulo tem pela Rota. ;O povo adora a gente;, disse ele, ressaltando que a tropa de elite paulista entra nas regiões, principalmente periféricas, onde o Estado não chega e negou a ideia de que a Rota seja um instrumento policial criado para matar. ;A Rota, antes de matar, ela prende, ajuda as crianças, faz partos;, disse.
;Dizem que nós [policiais] perseguimos pretos e pobres. Mas olhe para eles [Madia apontou para os policiais no plenário que também são réus, alguns deles negros], que se aposentam com R$ 2,7 mil por mês;, falou, em tom exaltado. Esta mesma afirmação foi feita por Madia em dois momentos de seu depoimento. No segundo deles, os policiais negros da corporação - e que também são réus - se levantaram em sinal de aprovação ao que o coronel falou. Um deles, ao sentar-se, começou a chorar. O juiz reprovou o comportamento dos réus e pediu para que eles não se manifestassem.
Madia foi o quinto policial militar a ser ouvido nesta segunda etapa do julgamento do Carandiru. Ontem (1), em 15 horas de depoimentos, foram ouvidos o major Marcelo Gonzales Marques, o tenente-coronel Carlos Alberto Santos, o ex-capitão Valter Alves Mendonça e o tenente Edson Pereira Campos.
Toda a ação para reprimir a rebelião no Carandiru, em 1992, resultou em 111 detentos mortos e 87 feridos. O episódio é considerado como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro. Na primeira etapa do julgamento do Carandiru, que foi desmembrado em quatro etapas, 23 policiais militares, todos da Rota, foram condenados pela morte de 13 detentos, ocorrida no segundo pavimento.